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Maioria do STF vota pela validade do inquérito das fake news

A maioria a favor da legalidade das investigações foi formada com o voto da ministra Cármen Lúcia, que deu o sexto voto a favor da legalidade das investigações sobre ameaças, ofensas e fake news contra integrantes da Corte

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Por Rafael Moraes Moura/BRASÍLIA e Pepita Ortega/ SÃO PAULO
Atualização:

Estátua da Justiça, em frente ao STF. Foto: Dida Sampaio/Estadão

Oito dos 11 ministros do ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) já votaram a favor da continuidade das investigações do inquérito que apura ameaças, ofensas e fake news disparadas contra integrantes da Corte e seus familiares. O tribunal retomou nesta tarde o julgamento de uma ação do partido Rede Sustentabilidade contra o inquérito sigiloso, que vem sendo conduzido pelo ministro Alexandre de Moraes e já fechou o cerco contra o chamado "gabinete do ódio", grupo de assessores do Palácio do Planalto comandado pelo vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-PR), filho do presidente Jair Bolsonaro. A existência do "gabinete do ódio" foi revelada pelo Estadão em setembro do ano passado.

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O julgamento, que será concluído nesta quinta-feira, serviu para marcar uma união dos ministros em defesa do STF, em frente à escalada de protestos antidemocráticos - no último final de semana, fogos de artifício de militantes bolsonaristas foram disparados em direção à sede do tribunal. Os ministros também fizeram questão de deixar claro que a liberdade de expressão em uma democracia não deve abrir espaço para discursos de ódio e ataques a instituições.

Ao apresentar seu voto, o ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito das fake news, informou ter encaminhado à primeira instância 72 inquéritos sobre ataques à Corte derivados das investigações que tramitam no STF. "Nenhum trata de liberdade de expressão, de críticas, ou xingamentos. Tratam de ameças, atentados, tentativa de coação a ministros do Supremo Tribunal Federal", disse.

O ministro destacou alguns dos ataques, entre eles uma publicação de uma advogada "incitando o estupro" de filhas de ministros do STF. "Que estuprem e matem as filhas dos ordinários ministros do stf", escreveu a mulher.  "Em nenhum lugar do mundo isso é liberdade de expressão, isso é bandidagem, é criminalidade", comentou o ministro.

Moraes também citou "ameaças seríssimas" encaminhadas pelo Ministério Público de São Paulo, com relação a um detalhado plano contra um dos ministros, contendo horário de viagens, vôos, e a rotina que o ministro fazia entre Brasília e São Paulo - "detalhadamente insinuando como deveria ser essa ação", segundo o ministro.

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O recado de que ameaças, ataques e discursos antidemocráticos dessa natureza não estão protegidos pela liberdade de expressão foi reforçado pelos outros integrantes da Corte. "Não estamos aqui a tratar de cerceamento de liberdades. Liberdade de expressão é gênero de primeira necessidade na democracia. Liberdade de imprensa é artigo imprescindível na cesta básica dos direitos fundamentais, portanto, esses estão assegurados. Liberdade rima juridicamente com responsabilidade, mas não rima juridicamente com criminalidade, menos ainda com impunidade de atos criminosos ou que podem vir a ser investigados", frisou Cármen Lúcia.

"Democracia guarda-se e mantém-se pela defesa do sistema, não se presta a Constituição a ser morta pela ação de tiranos. A democracia não pode ser deixada em desvalia pela ação de pessoas autoritárias, daqueles que pretendem a morte da Constituição para colocar a sua vontade pessoal. Discursos de ódio, de destruição do Estado democrático e falas de incitação a crime são contrários aos valores de humanidade, da dignidade humana, da pluralidade democrática e não é uma ou outra pessoa que não o suporta, é o sistema constitucional que não o permite. Milícias e organizações criminosas formadas para estilhaçar o sistema democrático não têm espaço nem tutela do direito vigente numa democracia", completou a ministra.

O inquérito foi aberto em março do ano passado por iniciativa própria do presidente do STF, Dias Toffoli, sem pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR). As investigações já levaram à censura de reportagem sobre Toffoli publicada no site "O Antagonista" e na revista digital "Crusoé", o que foi alvo de críticas internas. No entanto, com o recrudescimento dos ataques ao STF, a resistência ao inquérito diminuiu entre os ministros, que passaram a enxergá-lo como um instrumento de defesa institucional.

"Não se trata de liberdade de expressão. O uso orquestrado de robôs para divulgar ataques ao STF passa longe da mera crítica", afirmou Gilmar Mendes. Segundo Gilmar, os ministros da Corte já vinham sofrendo uma série de ataques, o que não teria sido devidamente analisado pela PGR, levando, portanto, o Supremo a decidir a abrir o inquérito por iniciativa própria. "As próprias ameaças à vida de ministros e seus familiares não foram anteriormente apuradas, embora já ocorressem com alguma frequência", disse.

Para a ministra Rosa Weber, o inquérito é uma resposta do STF frente aos ataques. "Ataques deliberados e destrutivos contra o Poder Judiciário e seus membros revelam não só absoluto desapreço à democracia e total incompreensão do que ela representa, como também em seu extremo de ameaças graves, configuram crimes previstos em nosso ordenamento jurídico", frisou Rosa.

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O vice-presidente do STF, ministro Luiz Fux, concordou. "Esse processo tem que prosseguir porque temos que matar no nascedouro esses atos abomináveis que vêm sendo praticados contra o Supremo Tribunal Federal", disse Fux, que assumirá a presidência do tribunal em setembro.

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O ministro Luís Roberto Barroso, por sua vez, destacou que as instituições democráticas não podem ficar "amedrontadas" diante de movimentos que visam destruí-las e sendo assim, a democracia precisa ser capaz de agir em legitima defesa, dentro da Constituição, das leis e sempre com proporcionalidade. Segundo o ministro, no caso do Supremo, é "perfeitamente legitima" a instauração de inquérito para investigar ataques 'massivos, orquestrados e financiados à Corte'.

"Há precedentes de grave erosão democrática no mundo contemporâneo, pela incapacidade muitas vezes de as instituições reagirem. Prestando atenção temos sido capazes de evitar que trilha assemelhada seja percorrida entre nós", afirmou Barroso.

Um ano e dois meses depois meses de acionar o Supremo para contestar o inquérito das fake news, o partido Rede Sustentabilidade mudou de posição e chegou a pedir o arquivamento da ação. O pedido, no entanto, foi rejeitado pelo relator da ação, ministro Edson Fachin.

Cassação

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O controverso inquérito que apura ameaças, ofensas e fake news contra ministros do Supremo Tribunal Federal pode pavimentar o caminho da cassação da chapa da eleição de 2018 do presidente Jair Bolsonaro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A avaliação entre ministros do tribunal é a de que, caso seja autorizado, um compartilhamento das provas do STF com a Justiça Eleitoral deve dar um novo fôlego às investigações que apuram o disparo de mensagens em massa na campanha presidencial de Bolsonaro em 2018. A possibilidade de essas ações serem "turbinadas" com o inquérito das fake news do Supremo já acendeu o sinal de alerta do Palácio do Planalto.

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