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STF e o imperativo da memória

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Por Luís Gustavo Faria Guimarães e Nina Nobrega Martins Rodrigues
Atualização:
Luís Gustavo Faria Guimarães e Nina Nobrega Martins Rodrigues. FOTOS: ARQUIVO PESSOAL Foto: Estadão

Concluído na última quinta-feira (11), o resultado do julgamento do Recurso Extraordinário nº 1.010.606/RJ[1], pelo Supremo Tribunal Federal, em torno do alegado direito ao esquecimento, não surpreende: prevaleceu a tradicional defesa da ampla liberdade de expressão, informação e de imprensa.

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Ao decidir de tal maneira, o STF dá primazia à memória coletiva, em detrimento do esquecimento individual, reconhecendo que a tentativa de se impedir a divulgação de determinado fato em razão do simples decurso de tempo configuraria uma espécie de censura prévia, incompatível com o ordenamento constitucional brasileiro. Em suma, preponderou o 'poder conhecer', a liberdade do saber.

Neste ponto, note-se que o privilégio ao fator memorial não é por acaso, vez que é notório seu efeito exemplar. O conhecimento e a reflexão sobre episódios pretéritos permite a extração de lições evolutivas que auxiliam na construção de uma consciência cívica, empenhada em não repetir desacertos. Não só, a ressignificação do passado, através do enfrentamento de suas feridas e êxitos, refina a edificação identitária da comunidade afetada e abre caminhos para o aperfeiçoamento da coletividade futura.

Aqui, figura a memória não apenas como direito, mas também como dever. Nesse viés pedagógico, a prevalência da liberdade de manifestação tem justificativa clara: trata-se do potencial transformador da memória.

Contudo, é preciso ter cautela: tal repercussão memorial só faz sentido quando destinada a fatos e dados que sejam de relevante interesse público ou histórico, de modo que a permanência de uma informação seja, de fato, significativa ao repertório coletivo. Tal consideração foi apresentada pelo Ministro Nunes Marques, quando abriu sua divergência, e endossada pelo Ministro Gilmar Mendes, embora não tenha prevalecido na tese fixada pela maioria da Corte.

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Também merece destaque, no resultado do julgamento do caso em questão, que embora descartada qualquer possibilidade de censura prévia de informações sob o pretexto de direito ao esquecimento, foi reconhecida a possibilidade de eventuais reparações, nas esferas cível e penal, quando se verificar, a posteriori, excessos no caso concreto, que atentem contra os direitos da personalidade, quais sejam, a privacidade, a honra, a imagem e, evidentemente, a dignidade da pessoa humana.

Por fim, cumpre ressaltar algumas limitações do julgamento em análise, especialmente no que toca à percepção de certa incongruência entre o âmbito de aplicação da tese com repercussão geral e o meio de comunicação em que se deu a veiculação de informação do caso concreto ali examinado.

Para tanto, convém destacar que a lide se deu em torno exibição de programa de televisão, embora, na tese fixada pela Corte, os Ministros tenham optado por ampliar o seu âmbito de incidência, fazendo menção expressa à incompatibilidade do direito ao esquecimento no que tange aos dados veiculados em "meios de comunicação social analógicos ou digitais".

Nesse sentido, causa certa inquietação a inclusão dos meios digitais na conclusão do julgamento referente ao RE nº 1.010.606/RJ, tendo em vista a fixação de tese orientativa que ostenta caráter generalizante frente a realidades distintas.

Como se sabe, os meio de comunicação digital guardam regramento e peculiaridades bastantes específicas, com uma necessária abordagem do Marco Civil da Internet, do papel das grandes empresas de tecnologia que gerem redes sociais e fazem a mediação de seu conteúdo, bem como as implicações jurídicas dos serviços de busca.

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Tais características do meio digital trazem novas implicações para o sensível embate entre a liberdade de expressão e os direitos da personalidade e estão na ordem do dia das Cortes constitucionais ao redor do mundo. Nesse sentido, ainda que o meio digital tenha sido expressamente incluído na tese fixada para o julgado em questão, é inegável que há certas limitações no objetivo pretendido, uma vez que tal repercussão geral não esgota o tema, que deverá voltar à pauta do STF nos próximos anos, dada a sua enorme complexidade e relevância nos dias atuais.

De todo modo, não se pode negar que o pronunciamento do STF sobre a temática do esquecimento veio em momento oportuno, no qual os meios de comunicação e as mídias sociais estão em polvorosa disseminação informacional, donde lamentáveis condutas revisionistas e até negacionistas ganham espaço.

No delicado liame entre lembrar e esquecer, o STF acerta ao fazer imperar o primeiro: é preciso deixar que o passado ressoe suas advertências e ensinamentos. A coletividade agradece.

*Luís Gustavo Faria Guimarães, advogado. Mestre e doutorando em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo (USP)

*Nina Nobrega Martins Rodrigues, advogada. Mestranda em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo (USP)

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[3] Tema 786 - STF.

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