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STF define tese de repercussão geral sobre responsabilidade por acidentes de trabalho

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Por Nelson Mannrich e Alessandra Barichello Boskovic
Atualização:
Nelson Mannrich e Alessandra Barichello Boskovic. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Os acidentes de trabalho são uma questão de saúde pública no Brasil. O país ocupa a incômoda quarta posição no ranking mundial, com cerca de 700 mil casos ao ano, conforme dados da Previdência Social. Números do Observatório Digital de Segurança e Saúde do Trabalho mostram que, entre 2012 e 2018, o Brasil registrou 16.455 mortes e 4,5 milhões de acidentes. No mesmo período, os gastos da Previdência com benefícios acidentários chegaram a R$ 79 bilhões. São inúmeras as ações trabalhistas que discutem indenização acidentária a ser paga pelo empregador ao epregado.

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De acordo com a Constituição Federal, sempre que incorrer em "dolo ou culpa", o empregador será responsável por indenizar o trabalhador que sofre acidente do trabalho. Em outras palavras, quando o empregador concorrer para a ocorrência do acidente, ainda que culposamente, terá que ressarcir ao trabalhador o prejuízo material e moral decorrente do fato. É o que se chama de responsabilidade civil subjetiva.

Entretanto, a jurisprudência pátria vem reiteradamente aplicando às relações de emprego dispositivo do Código Civil que versa sobre responsabilidade objetiva. Segundo o art. 927, parágrafo único, haverá o dever de indenizar, independentemente de dolo ou culpa, "quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem". Assim, sempre que o empregador exerce atividade econômica considerada de risco, os Tribunais têm reconhecido o seu dever de indenizar acidentes do trabalho, ainda que não tenha colaborado para a sua ocorrência.

A (in) constitucionalidade desse entendimento há muito vem sendo discutida na Academia. De um lado, argumenta-se que o inciso XXVIII do art. 7º da Constituição é bastante claro ao limitar a responsabilidade civil do empregador apenas aos casos de culpa ou dolo, de maneira que a incidência do dispositivo civilista nos casos acidentários viola frontalmente a norma constitucional. De outro lado, invoca-se o caput do mesmo art. 7º, segundo o qual os direitos estabelecidos em seus incisos constituem rol meramente exemplificativo e qualquer norma infraconstitucional que amplie o leque de proteção trabalhista é, consequentemente, constitucional.

Essa discussão chegou ao Supremo Tribunal Federal por meio do Recurso Extraordinário (RE) 828.040, que foi julgado em setembro do ano passado. O processo teve origem em 2010, com o ajuizamento de Reclamatório Trabalhista por trabalhador que pleiteava indenização acidentária (0000438-80.2010.5.24.0002). O empregado, que ocupava a função de vigilante patrimonial, foi vítima de assalto ao carro-forte em que trabalhava, com intensa troca de tiros. Disso resultou sua incapacidade laborativa.

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Em primeira instância, a 2ª Vara do Trabalho de Campo Grande reconheceu a responsabilidade objetiva da empregadora. O assalto, no argumento da justiça do trabalho da região, ocorreu quando o empregado exercia atividade profissional de risco e, por isso, condenou a empregadora ao pagamento de indenização por danos morais e pensionamento mensal do trabalhador, conforme prevê o artigo 927, parágrafo único, do Código Civil.

A empregadora recorreu, alegando que a responsabilidade objetiva em acidentes do trabalho afronta o art. 7º, XXVIII, da Constituição Federal, segundo o qual o empregador teria o dever de indenizar "quando incorrer em dolo ou culpa". Sustentou que, como não havia concorrido com dolo ou culpa para a ocorrência do evento danoso, não lhe cabia indenizar o empregado. A segunda Turma do TRT da 24ª Região manteve a decisão que reconheceu a responsabilidade objetiva da empresa em razão do exercício de atividade de risco.

Em agosto de 2014, a discussão chegou ao STF. Inicialmente, teve como relator o ex-ministro Teori Zavaski, morto em janeiro de 2017 em um acidente aéreo. A relatoria foi, então, redistribuída ao ministro Alexandre de Moraes. A questão levantada no Recurso Extraordinário era se a aplicação do parágrafo único do art. 927 do Código Civil às indenizações por acidentes do trabalho viola os artigos 5º, II, e 7º, XXVIII, da Constituição Federal.

Em fevereiro de 2017, por maioria de votos, os ministros reputaram constitucional a questão e reconheceram a existência de repercussão geral. O julgamento de mérito ocorreu em setembro de 2019 quando, por maioria de votos, os ministros do STF negaram provimento ao recurso extraordinário. Dessa forma, foi reconhecido que a incidência do dispositivo civilista nos casos que envolvem acidentes de trabalho não viola a norma constitucional.

O assunto volta à pauta do Supremo nesta quinta-feira, 12, quando deverá ser fixada a tese de repercussão geral, cujo objetivo principal é uniformizar a jurisprudência pátria.

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*Nelson Mannrich, doutor em Direito pela USP. Professor Titular de Direito do Trabalho na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Advogado coordenador do consultivo trabalhista em Mannrich e Vasconcelos Advogados

*Alessandra Barichello Boskovic, doutora em Direito pela PUC-PR. Advogada do consultivo trabalhista em Mannrich e Vasconcelos Advogados

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