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Soft skills: algumas lições de negociação em MAs na pandemia

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Por Daniella Tavares
Atualização:
Daniella Tavares. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Parecia mais uma 6a feira de negociações, minutas, alterações, calls e e-mails para fecharmos a compra de uma empresa. Mas não foi. Nessa 6a feira recebi um telefonema de um cliente dizendo que a outra parte saiu da mesa. Saiu da mesa?! Oi?! Não!!!! Como assim?! No último round de negociação, praticamente. Depois de longos 6 meses negociando a parte jurídica, a frustração com a notícia foi inevitável. Uma transação estratégica, importante para o cliente estrangeiro com quem tenho uma longa relação de confiança e trabalhos juntos. Eu fiquei arrasada e na mesma hora mandei mensagem para a minha equipe comunicando o ocorrido e provocando uma discussão interna:

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Onde erramos? 

Na verdade, cheguei à conclusão de que somos muito bons em escrever anúncios de grandes fechamentos, matérias sobre prêmios e batalhamos para levar o "deal of the year". Mas não é na adversidade que aprendemos? Então onde estão todas essas lições? Minha proposta é começar a dividir esse aprendizado também.

Entretanto, com tantas mudanças em nossas vidas e, consequentemente, na nossa forma de trabalhar, por conta da pandemia, resolvi dividir a nossa experiencia para reflexão e para provocar o debate. Lembrando que cada operação é única e particular, o que não deu certo para mim, pode dar super certo para você.

Segue abaixo o exercício que fiz com meu time e as principais situações de falha que identificamos e algumas ideias para contorná-las.

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A primeira reflexão que fizemos foi sobre nosso conhecimento dos vendedores e seus assessores. Nós não paramos para analisar e entender quem eram, de fato, os vendedores e assessores. Quem são esses seres humanos? Levar em consideração de onde é a parte, qual sua idade, o que fez com que buscasse uma venda e quem são os assessores e sua relação com os vendedores é fundamental. Essas informações serão os primeiros indicadores para a formação do seu mapa negocial.

Em momentos de "não-pandemia', essas informações vêm de forma mais natural e tangível quando estamos de frente com as partes e seus times de assessores. Apesar de pouco explorada, a negociação do Memorando de Entendimentos é um bom momento para essa aproximação e conhecimento. Esta etapa não é apenas um esboço da transação, mas um momento único para começar essa análise pessoal das partes envolvidas.

Diferente da auditoria onde assessores se aproximam, a negociação do Memorando de Entendimentos é uma etapa que não só assessores, mas as partes também estão na mesa e essa oportunidade deve ser bem explorada. Analisar a postura dos vendedores e assessores, forma de negociar, os maiores receios e pontos mais sensíveis, numa fase menos defensiva das discussões da transação pode trazer revelações preciosas. Todas essas características, de forma mais exacerbada, serão replicadas, posteriormente, na discussão dos documentos principais.

Cabe ressaltar também a importância de não ter vendedores e compradores fantasmas. É logico que assessores financeiros e advogados conduzirão o processo e as reuniões "de massa" além das reuniões iniciais, mas considero de extrema importância que vendedores e compradores sentem à mesa (ou melhor, apareçam nas telas) e participem efetivamente das negociações, escolhas e decisões mais sensíveis. Dependendo da estrutura da aquisição e dos pontos em discussão, diria que é imprescindível as partes se verem e se comunicarem de forma direta, sem que as posições sejam filtradas por assessores.

Se em operações locais e falando a mesma língua já temos desafios interpessoais, imaginem em operações com clientes em países (e, consequentemente culturas) diferentes e falando línguas diferentes.

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Nessas operações cross border enfrentamos, em sua grande maioria, a barreira cultural e da língua. De fato, é bem mais confortável negociar na sua língua nativa por todos os motivos óbvios que não preciso descrever aqui. Quando a outra parte tem alguma dificuldade com o inglês, por muitas vezes, fazemos o papel de tradutor na negociação. Aprendi que esse não é um procedimento recomendável. O advogado fazendo a tradução acaba por negociar para a outra parte. Afinal de contas não temos a técnica para simplesmente traduzir e acabamos por organizar a argumentação da contraparte, além de colocar entonação o quê, de alguma forma, pode acabar por beneficiá-la.

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É um processo desgastante para todos os envolvidos e numa operação mais quente e com pontos mais sensíveis, essa barreira pode fazer toda a diferença. Na esperança de retomada da operação mencionada no início desse artigo, contratamos uma intérprete para a conversa. Foi um sucesso. Partes e advogados estavam fazendo seus papeis e deixamos para uma profissional a responsabilidade por transmitir e fazer fluir a comunicação. Fez uma grande diferença e, sendo autorizado pelas partes, adotarei como padrão em todas as transações.

Como driblar as dificuldades impostas pelo distanciamento?

Superadas essas questões, como estamos ainda com várias restrições de isolamento, as reuniões eletrônicas assumiram o papel central da rotina de um assessor de M&A. Nesse contexto, poderia escrever um artigo só sobre isso e os desafios daí decorrentes. Para ser suscinta, destaquei os principais problemas: (i) longas horas ininterruptas numa tela; (ii) dificuldade em "ler" o body language da outra parte; e (iii) dificuldade na quebra para uma conversa paralela com seu cliente.

Para endereçar o primeiro item, em reuniões de negociação, sugiro já iniciar definindo regras de intervalos a cada hora ou a cada 2 horas por 10/15 minutos, por exemplo. Claro que não sugiro um cronometro fixo, mas algo dentro desse parâmetro. Acho que esse procedimento pode ajudar na negociação, pode servir como ajuste de temperatura quando os ânimos esquentam e esse intervalo pode ser o momento para alinhar com o seu cliente em paralelo.

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Esse pedido de "tempo" muito usado nos jogos de futebol, são cruciais numa reunião de negociação. Quando presenciais conseguimos pedir um café, levantar para uma volta no corredor ou mesmo atender um telefonema quando a temperatura aumenta. Já nas reuniões virtuais, já não é tão fácil fazer esse reequilíbrio de temperatura. Esses intervalos podem até ser usados para alguma descontração com a outra parte, trocar sobre família, temperatura, algo típico do seu país ou do seu Estado. De novo, falamos de soft skills. Conexão. Como diz uma grande amiga e professora: operações são relações, não são apenas um negócio jurídico.

Nesse sentido, acredito que a falta da presença física seja ainda mais relevante em transações em países da América Latina.  A presença física gera confiança, demonstra interesse e validação. Em especial quando se tem uma das partes em outro pais, com outra cultura, a presença física, por mais rápida que seja, consolida e aproxima.Vou além, a presença física encurta o processo de negociação e como diz um importante cliente: "o tempo pode matar uma operação". Em épocas de isolamento, temos que ter ainda mais atenção ao tempo de uma negociação, como também a forma de escrever e falar para contornar as diferenças culturais e a distância nesse período tão limitador.

Menosprezamos os efeitos da pandemia, da falta do presencial, da conquista da confiança. As vezes esquecemos e ignoramos as dificuldades do home office, interrupções de filhos e as questões da casa. Não levamos em consideração que estamos todos mais sensíveis, estressados, alguns tristes e com entes próximos doentes. Todas essas características do soft skills são ainda mais relevantes nesse momento.

Como vocês podem notar, uma operação não se faz apenas com hard skills. A diferença maior estará nos soft skills. E a beleza do M&A é que não existe fórmula, não existe minuta padrão, não existe uma regra única a ser seguida. Cada caso é único, cada parte carrega sua história, assim como seus assessores e cada empresa tem seu passado carimbado que vem à tona em situações mais sensíveis e peculiares, como uma venda.

*Daniella Tavares, sócia-gestora do Lobo de Rizzo Advogados

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