Foto do(a) blog

Notícias e artigos do mundo do Direito: a rotina da Polícia, Ministério Público e Tribunais

Sociedade democrática e redução da desigualdade de gênero

PUBLICIDADE

Por Maria Inês Vasconcelos
Atualização:
Maria Inês Vasconcelos. FOTO: ARQUIVO PESSOAL  

A questão da desigualdade de gênero no trabalho, ainda é um tema que se assenta em um terreno bastante fragmentado neste país que se intitula democrático e de direito. O preconceito em face da mulher, muito embora tenha sido alvo de medidas democráticas que o reduziram, como por exemplo, a Lei Maria da Penha, importantíssima, evoluíram sim, com alguma independência. Mas a bem da verdade, para conter toda a intensa origem antropológica desse preconceito seria necessário que realmente se reproduzisse, na sociedade o freio desejado pelo legislador, que quer realmente tentar igualar e impedir escalas ou graus para o exercício dos direitos pela mulher.

PUBLICIDADE

O legislador com grande otimismo, indica intenção de reduzir a questão da diferença drástica de tratamento entre homem e mulher em alguns ambientes. O trabalho, infelizmente, ainda captura uma visão muito machista. Aquele mantra "Lugar de mulher é onde ela quiser ", encoraja, mas a dimensão real dessa possibilidade é uma interrogação.

O desnível salarial existente dentro das empresas, a locação ou segregação da mulher para posições menos privilegiadas e de menor destaque, a redução de direitos constitucionalmente consagrados, as exaustivas jornadas, nos fazem ver a ambivalência entre o comando da lei e da realidade.

A lei não modificou os hábitos e costumes, nem tampouco reduziu a pesada carga que recai sobre a mulher. Apenas dourou uma pílula e acendeu debates mais inflamados. Alguns fetiches novos usados nas empresas revelam uma discriminação às escondidas. As evidencias são outras.   De forma dissimulada, como por exemplo quando se cria um sistema de meritocracia, por que impede a mulher de disputar certas metas.

Locais aonde mulheres ganham menos que homem exercitando a mesma função. Planos de cargos e salários que tem em sua estrutura discriminação velada.  Promoções que são congeladas para mulheres. Podemos citar ainda, as empresas que se dizem inclusivas, mas tem menos de 10% de seus cargos de gestão ocupados por mulheres. Há ainda, as exclusões que se fazem através de assédio e é claro, com conotação sexual.

Publicidade

A cultura machista não perde sua capacidade de nos surpreender. Por mais que conheçamos a verdade, e a nossa potencialidade intelectual e física, o homem ainda segue insistindo em desbotar o papel da mulher, mesmo diante das invenções tecnológicas e das políticas de combate a estes comportamentos.

A sociedade aprova a mulher em alguns papéis, mas em outros não. Ser mãe e dona de casa ou mulher, certamente vamos "poder". Aí não há espaço de dúvidas para nosso ativismo. Mas no trabalho ainda enfrentamos, com tristeza, posição de inferioridade.

Por mais que sigamos nossas lutas de forma apaixonada e mantenhamos o foco em atitudes persistentes, quase exercendo uma resistência organizada ao machismo, ele ainda existe e impulsiona a diferença de tratamento. Diante disso, a mulher segue na busca de um espaço para seu reconhecimento profissional.

Ansiamos pela realidade encapsulada dentro da lei. Queremos e podemos ser tratadas com reciprocidade. E assim, seguimos com esperança para que os compromissos e as mudanças profetizadas ocorram de fato na estratégia empresarial, com o respeito ao verdadeiro sentido etiquetado para o trabalho: digno, igual, sustentável e resistente às pressões descabidas do machismo.

Não estamos à deriva e sem rumo, sabemos que os conflitos sempre existirão, mas seguimos por um caminho que nos leva a redução dessa limitação endêmica. Com certeza, as novas exigências impostas pela Covid-19 nos igualaram em todos os níveis sociais e mostrou o nosso poder de resistência a essa tensão universal.  A mulher tem trabalhado mais que o homem. O trabalho em home office mostra isso.

Publicidade

Mas não queremos nada mais do que a reciprocidade.  O discurso clichê e feminista da igualdade, foi superado pela agenda da parceria, da troca e da possibilidade. Não estamos em cima de salto nenhum. Queremos apenas poder pisar no mesmo chão. Hoje, o lugar da mulher não é onde ela quiser.

*Maria Inês Vasconcelos, advogada, pesquisadora e professora

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.