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Sobre liberdade e gerência de risco

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Por Antoine Abed
Atualização:

A dúvida sobre qual o limite da interferência do Estado ou Organização Mundial na vida humana sempre incitou grandes debates desde o mundo Antigo. Porém, com a pandemia, novos conceitos foram incorporados a essa discussão. Da aceitação resignada dos infortúnios, passamos agora à tentativa de "controlar o mundo" por meio da intervenção nas vidas privadas e, até mesmo, em governos. Mas o que mudou para que não tenhamos mais a liberdade de calcular individualmente e aceitar determinado nível de risco? Por que terceirizamos decisões que deveriam ser de cunho individual?

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Já sabemos que, na natureza, até os animais calculam os riscos de uma determinada ação antes de agir. Espécies como o lobo-cinzento, por exemplo, precisam saber o número certo de animais que compõem sua matilha para caçar presas específicas. São necessários de seis a oitos lobos para caçar cervos e alces mas se quiserem caçar bisões, necessitam entre nove e treze membros. Todos esses estudos foram analisados pelo neurobiólogo Andreas Nieder, da Universidade de Tuebingen na Alemanha, que concluiu: "a competência numérica está presente em quase todas as ramificações da árvore da vida dos animais".

Se constatarmos que até os animais conseguem gerenciar os riscos de determinadas ações, com humanos não é diferente. Temos a capacidade de calcular se determinada ação é, ou não, segura de acordo com o conhecimento adquirido sobre o fato. Se possuímos clareza que risco é uma combinação entre consequência e incerteza, então é extremamente necessário saber o grau de certezas a fim de poder tomar o risco que lhe parece aceitável.

Precisamos ter em mente que o valor do produto final pode influenciar a ação para aceitar, ou não, um determinado risco. Ulrick Beck, considerado um dos grandes nomes da Sociologia neste século, afirma que o risco, além de ocupar um papel fundamental nas ordens sociais, influencia os rumos de quase tudo ao nosso redor, como a política, economia, trabalho, área ambiental, relações humanas, etc.

Ao trazer esse raciocínio para o momento que vivemos, seria correto privar a liberdade de escolha individual com o intuito de diminuir o risco de colapso hospitalar? Ou essa atitude é uma desculpa para a falta de investimento básico nos hospitais e sua consequente lotação? Qual será o momento correto para sufocar as escolhas individuais, se é que esse momento existe?

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Considerando que esse risco de colapso foi tomado há muito tempo, pois não é novidade o descaso com a saúde pública no Brasil, decidiu-se mesmo assim não resolver o problema, de maneira que se conclui a aceitação desse risco faz tempo. Se políticos e organizações mundiais estão verdadeiramente comprometidos em salvar vidas, como tentam demonstrar isso? Aonde estavam eles nas últimas décadas?

Mesmo assim, principalmente na classe média, virou rotina apontar o dedo e julgar se determinado comportamento é ou não apropriado durante o isolamento imposto - já que, de alguma maneira, essa classe social ainda consegue manter-se com suas reservas financeiras. Pior ainda são funcionários públicos que, mesmo durante o colapso do país, continuam a receber salário integral sem trabalhar.

Mas e o desafortunado que, devido ao isolamento, não tem como trabalhar e manter sua família? O que fazer com os milhões de pessoas que não têm poupança ou não são funcionários públicos? Será que R$ 600 reais resolvem o problema dos mais pobres?

Como alguém pode saber o que é melhor para o outro? Sempre que terceiros decidem o que é melhor para nós, acabamos colhendo dor e sofrimento. No mês de junho deste ano, alguns meios de comunicação publicaram uma notícia que representa muito bem isso: uma mãe russa manteve a filha em cárcere privado, durante 26 anos, para lhe "proteger do mundo".

De maneira geral, o ser humano precisa se emancipar das manipulações ocorridas diariamente por meio da lavagem cerebral provocada pelas notícias distorcidas que chegam de todas as partes e focar no que definitivamente é atribuição do Estado. Ou seja, prover tratamento adequado e de qualidade para a população. Não cabe ao Estado colocar nossas vidas em suspensão.

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Ser livre para decidir qual o nível de risco aceitar requer trabalho constante para desenvolver um pensamento crítico sério, negando tudo que for desnecessário, manipulado e irresponsável. Caso contrário, se tornará uma ferramenta a serviço de terceiros. A demagogia e transferência de foco no enfrentamento do problema é o principal fator de ameaça à uma sociedade livre.

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As perguntas que ficam são: será prudente abrir mão da sua liberdade e transferir para outras pessoas decisões que deveriam ser suas? Existe alguém melhor do que você para decidir isso? O que poderá acontecer quando um líder de apetites distorcidos quiser se aproveitar desse controle das liberdades que passivamente entregamos?

Como diz o economista e filósofo Thomas Sowell: "É difícil imaginar uma maneira mais estúpida ou mais perigosa de tomar decisões do que colocá-las nas mãos de pessoas que não pagam preço por estarem erradas."

*Antoine Abed é presidente-fundador do Instituto Dignidade e autor da obra Ensaio Sobre a Crise da Felicidade

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