Mensagens de WhastApp interceptadas pela Polícia Federal no celular do ex-ministro da Casa Civil do governo Lula, José Dirceu, mostram que ele se mantinha ativo politicamente discutindo sobre indicações políticas no governo, sobre disputas no Congresso e até agendava reuniões com líderes sindicais enquanto cumpria prisão domiciliar no ano passado sua pena de sete anos e 11 meses por corrupção ativa no escândalo do mensalão. Em agosto de 2015 ele foi preso novamente, desta vez acusado de receber propinas no esquema de corrupção na Petrobrás, e atualmente ele é réu na Justiça Federal no Paraná respondendo pelos crimes de corrupção, organização criminosa e lavagem de dinheiro.
Um dos diálogos que mais chamou a atenção dos investigadores da Polícia Federal foi com a historiadora e ex-assessora política do ex-ministro, Maria Alice Vieira. Em 10 de novembro de 2014 ela envia uma mensagem a Dirceu sobre o cenário político. "As coisas estão em total ebulição, mas tem questões imediatas como a disputa da câmara que vai envolver todo mundo".
O ex-ministro então responde "eu sei, vamos ver o que dá pra fazer". Na época, a presidente Dilma havia acabado de ser reeleita e Eduardo Cunha (PMDB-RJ), desafeto do governo, já articulava sua candidatura para a Presidência da Câmara que acabou saindo vitoriosa em fevereiro de 2015 contra o petista Arlindo Chinaglia. Para a Polícia Federal, o episódio aponta que Dirceu "ainda utiliza sua influência no cenário político brasileiro".
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Em outro momento da conversa Dirceu diz que não foi procurado por "Rui", uma possível referência ao presidente do PT Rui Falcão. "Até agora Rui não me procurou, o que significa que como no (regime ) semiaberto ele não me procurará", afirmou o ex-ministro em referência ao período em que cumpriu parte de sua pena na penitenciária da Papuda, em Brasília.
Em seguida ele afirma que vai se encontrar com "Zeca" para discutir a situação da "bancada". "Zeca vem tomar café comigo amanhã e me relatar como foi o jantar e a situação na bancada". O filho do ex-ministro, Zeca Dirceu, é deputado federal do PT pelo Paraná. O partido também tem um deputado federal chamado Zeca do PT, do Mato Grosso do Sul.
Mais tarde, na mesma conversa, o ex-ministro faz uma breve análise do cenário político logo após a apertada vitória de Dilma nas eleições presidenciais. "Tudo indica que aos poucos Lula e a própria bancada vão se organizando para a disputa da presidência, formação da maioria e indicação (de) ministério, mas tudo dependerá dela", afirma.
Sindicalistas. Outros pontos do diálogo que chamaram a atenção da PF são as reuniões do ex-ministro com sindicalistas enquanto ele cumpria sua pena em regime aberto, no qual o condenado só pode sair de casa para trabalhar e tem que cumprir uma série de restrições. Em oito de novembro Maria Alice cumprimenta Dirceu e este avisa que está em uma reunião com "Jacy", que segundo a PF seria o secretário de Organização Política e Sindical da Central Única dos Trabalhadores (CUT) ligada ao PT. O ex-ministro avisa que o sindicalista saiu tarde e pede para conversar no dia seguinte.
No dia 10, então, ele relata: "Jacy Afonso esteve aqui e vamos trabalhar juntos algumas questões, ele está muito interessado na questão da mídia", e segue "marque com o Wagner Freitas (presidente da CUT) o mais rápido possível". O ex-ministro é logo respondido por Maria Alice "ok, falo com ele hoje". Eles então acertam o encontro para uma quinta-feira e Maria Alice questiona se vai ser na residência de Dirceu, ao que ele responde "sim, com descrição total".
O conteúdo das mensagens confirma o que já havia informado a reportagem do Estado em junho de 2015 que afirmava que Dirceu, embora afastado oficialmente da política, ainda acompanhava de perto as movimentações do PT.
No último dia 24 de dezembro a presidente Dilma publicou um decreto de indulto natalino que pode livrar o ex-ministro de sua pena pelo mensalão. A defesa de Dirceu deve pedir o benefício ao Supremo. O indulto, contudo, não livra o ex-ministro do processo do qual é réu na Lava Jato.
COM A PALAVRA, A DEFESA DE DIRCEU:
O criminalista Roberto Podval, que defende o ex-ministro, afirmou que "Dirceu foi condenado no mensalão, mas não esta morto, o direito de atuar politicamente não lhe foi tirado, portanto, é obvio que o mesmo mantinha contatos com vários amigos e falava sobre política".
O advogado lembra ainda que o próprio juiz Sérgio Moro, ao ser confrontado com os diálogos, apontou que eles não implicavam Dirceu em nenhuma irregularidade relacionada ao processo da Lava Jato do qual ele é réu.
COM A PALAVRA, MARIA ALICE VIEIRAS:
"É de conhecimento público que assessorei José Dirceu desde o momento em que o mesmo resolveu defender-se publicamente. Além disso, fui responsável pelas atividades relacionadas à sua história política, recebendo pesquisadores, organizando palestras, realizando pesquisas para artigos e publicações e também sobre a geração de 68.
A partir de sua condenação na AP470, em 2012, e principalmente após sua prisão no final de 2013, meu contato com ele diminuiu muito, mas sempre que possível conversamos e trocamos opiniões sobre episódios relacionados a política brasileira e ao PT. Além disso, inúmeros amigos e companheiros, agentes políticos ou não, me procuravam durante esse período querendo conversar e ver o José Dirceu. E eu, em alguns casos, articulei essas conversas. Vale lembrar que foi mais ou menos nesse período que ele passou ao regime aberto, o que possibilitou ao mesmo retomar contato com pessoas que não o viam há tempos.
Também é público o fato de que a prisão de José Dirceu não anulou seus interesses sobre os rumos do país e sobre a disputa política pesada que por aqui se estabeleceu. Ele sempre acompanhou e, inclusive, posicionou-se diariamente sobre todos os temas relacionados à política e à economia em seu blog, mesmo depois que foi preso.
Diante disso, essas mensagens, telegráficas, entrecortadas e pontuais, nada dizem além disso: troca de impressões e de opiniões. Não tenho a menor ideia dessa fala dele sobre Jacy Afonso e mídia, tanto que não respondi esse comentário. Sobre a disputa da Câmara, o diálogo é genérico e não deve ter maiores significados. Envolver todo mundo quer dizer envolver o conjunto do PT, todos os grupos e correntes. E não tenho detalhes sobre o envolvimento direto dele nessa disputa.
Por último, não tenho cargo no PT nem na Fundação.
Att, Maria Alice"