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Seus colegas de trabalho saberão que você tem transtorno bipolar

Por Edmar Araujo
Atualização:
Edmar Araujo. FOTO: ARQUIVO PESSOAL Foto: Estadão

Imagine as seguintes situações.

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Número 1: o médico decide pela solicitação de exames para investigar as causas que impedem a gravidez. É o sonho de muitas pessoas que pode ser frustrado por razões diversas como endometriose, ovários policísticos, infecções sexualmente transmissíveis ou a esterilidade feminina sem causa aparente. A situação pode ocorrer também porque o pai em potencial tem produção de espermatozoides em quantidade ou qualidade insuficiente.

Número 2: determinada pessoa, ao estudar anos para o serviço público, é aprovada nas provas escritas e práticas e, para fazer jus aos quesitos restantes, precisa apresentar laudos que atestem sua saúde mental. Após consultas e exames, o diagnóstico: transtorno bipolar, uma patologia psiquiátrica incapacitante para o cargo pretendido. O tempo de estudo, o investimento financeiro e a impossibilidade de exercer a carreira tão desejada vão por terra.

Número 3: a vida sexual de alguém é regida por muita liberdade e total desapego de laços afetivos. Resultam disso o sexo sem compromisso e muitos parceiros para o prazer. Até que a pessoa que assim se comporta percebe perda de peso, febres constantes e muito cansaço. Preocupada, decide investigar. Como diagnóstico, recebe a triste notícia de que foi infectada pelo vírus HIV.

Todas as situações acima descritas ocorrem diariamente nos muitos lugares onde profissionais de saúde exercem sua sagrada missão de lutar pela vida e pelo bem-estar. A dificílima tarefa de comunicar a esterilidade, a incapacidade laboral ou o estado incurável só são superadas pelo drama de quem recebe tais diagnósticos. Medo, insegurança, vergonha, baixa autoestima e receio pela rejeição emergem, fazendo com que os quadros possam ser agravados por outras mazelas, como depressão, dependência química e exclusão social.

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Ocorre que tudo o que aqui foi descrito só deveria, em tese, ser de conhecimento dos profissionais de saúde envolvidos e do próprio paciente.

Em tese.

Ainda aguardando pela sanção presidencial, que deve ser em breve, o PL 317/21 permitirá que mecanismos menos seguros sejam utilizados para a assinatura do prontuário eletrônico do paciente. A transformação digital em curso no mundo todo permite que sistemas registrem toda a vida do paciente, desde seu histórico familiar, anamneses, razões que o levaram a procurar ajuda, diagnósticos, tratamentos, medicamentos e exames laboratoriais. Trata-se de um arquivo eletrônico que pode ser compartilhado entre profissionais da saúde por meio de redes internas e externas. Nem precisaria falar da segurança necessária para que vazamentos dessa natureza fossem evitados, mas o projeto de lei que pode ser sancionado na semana que se inicia obriga a tal reflexão.

Para total desespero do povo brasileiro, houve recente vazamento de dados de saúde de 243 milhões de brasileiros na internet, tanto usuários do serviço público quanto do serviço privado. O número é superior ao da população brasileira porque nele estão incluídos cadastros de pessoas falecidas.

Motivo? Uso de login e senha.

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Nos últimos dias, sites especializados no tema noticiaram que dados do sistema Juventude Web, da Secretaria do Trabalho do Ministério da Economia, vazaram. E para obtê-los era muito fácil, bastando a aplicação de um script, sem qualquer necessidade de autenticação.

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Mas os problemas não terminam no vazamento de dados. A segurança de informações sensíveis também se refere ao quão protegidos estão os sistemas.

Em setembro de 2020, a Clínica Universitária de Dusseldorf, na Alemanha, teve seus servidores infectados por ramsomware. Esse tipo de prática hacker bloqueia o acesso a arquivos. Para recuperá-lo, a vítima precisa pagar um resgate. No caso alemão, uma mulher tinha que realizar procedimento de urgência, mas não foi possível porque o sistema estava sequestrado, o que impedia acesso aos seus dados. A solução encontrada foi encaminhar a paciente para outra clínica 30km distantes. Como a viagem retardou o início dos procedimentos, a mulher acabou morrendo. Autoridades no país entendem que os responsáveis pelo ataque poderão responder por homicídio culposo. Este pode ter sido um caso de morte causada por ciberataque.

Pois bem.

Ao importar o problema de lá para cá, temo que estejamos prestes a ter dados de saúde sequestrados. Como conseguir nome, email, CPF e telefone deixou de ser tarefa difícil para os piratas de internet no Brasil, eles poderiam contatar pessoas e informar que estão em posse de seus dados de saúde.

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É plausível escrever trechos de possíveis conversas entre criminosos virtuais e pessoas que tiveram suas informações confiscadas:

"Eu posso revelar para todos os seus amigos que você não pode engravidar"

"Todos os seus colegas de trabalho saberão que você tem transtorno bipolar"

"Já pensou se eu publicasse numa rede social que você é portador do vírus HIV?"

Além da COVID-19, que já dizimou milhões de pessoas, muitas delas no Brasil, temos estes outros vírus que podem agravar a saúde pública de modo irreparável. A diferença é que enquanto para o coronavírus e suas variáveis há vacinas e tratamentos em estudo, para estas pragas virtuais o governo está apostando em soluções muito menos seguras. Estamos apostando em assinaturas avançadas como se tem apostado por aí em abandonar o uso da máscara e do álcool em gel, além de estimular a aglomeração de pessoas.

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Para tais vírus eletrônicos, a solução é outra.

*Edmar Araujo, presidente executivo da Associação das Autoridades de Registro do Brasil (AARB). MBA em Transformação Digital e Futuro dos Negócios, jornalista. Membro titular do Comitê Gestor da ICP-Brasil

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