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Setor médico-hospitalar: alterações sucessivas do ICMS em tempos de pandemia

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Por Guilherme Mendes Soares e Paulo César Teixeira Duarte Filho
Atualização:
Paulo César Teixeira Duarte Filho e Guilherme Mendes Soares. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

 

Nos últimos seis meses, as empresas que atuam no setor médico-hospitalar vivem um clima de instabilidade em seus negócios e não estamos falando da crise sanitária envolvendo a COVID-19. É que, de janeiro de 2021 para cá, tivemos pelo menos seis mudanças legislativas - duas em âmbito nacional e quatro no Estado de São Paulo - nos incentivos fiscais de ICMS voltados para insumos e equipamentos hospitalares, sendo algumas delas com efeitos retroativos. Um verdadeiro pesadelo para qualquer um que atue no setor tributário.

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Para ficar claro, uma breve introdução se faz necessária: o Convênio ICMS nº 01/99 traz um rol de quase 200 produtos destinados à prestação de serviços de saúde que possuem isenção de ICMS. No Estado de São Paulo, o Convênio ICMS nº 01/99 foi internalizado pelo Artigo 14 do Anexo I do Regulamento de ICMS ("RICMS/SP").

O pesadelo teve início em meados de outubro de 2020, com a "reforma tributária" promovida pelo governo paulista por meio da Lei nº 17.213/2020 e pelos Decretos 65.252 a 65.255 do mesmo ano. Ali, o Decreto nº 65.254/2020 trouxe uma restrição: o benefício de ICMS só é aplicado nas vendas para hospitais públicos e santas casas de misericórdia, retirando, assim, às vendas a todos demais players da iniciativa privada (clínicas, hospitais, entre outros) a partir de 15 de Janeiro de 2021.

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Como se sabe, o ICMS é um tributo indireto que, por sua natureza, é repassado no preço de venda das mercadorias. Com isso, então, as empresas fornecedoras do setor iniciaram um processo de rediscussão de preço e parametrização de sistema para repassar o ICMS nas vendas aos atores da iniciativa privada, a partir de janeiro de 2021.

No âmbito nacional, o Convênio ICMS nº 01/99 sofreu modificação pelo Convênio ICMS nº 48 de abril deste ano, que alterou a descrição e NCM de cinco produtos sujeitos à isenção de ICMS. Essa alteração, embora pareça inofensiva, alterou sensivelmente a isenção de ICMS já existente em alguns casos.

Por exemplo: antes, o item 191 trazia o produto "Implantes expansíveis, de aço inoxidável e de cromo cobalto, para dilatar artérias 'Stents'" e, após a mudança do Convênio ICMS 48/2021, passou a trazer simplesmente "Stents para artérias coronárias, farmacológico ou não". Com isso, stents para artérias periféricas, por exemplo, passaram a estar fora da isenção do ICMS a partir de 1º de junho de 2021.

Novamente, isso significa rediscussão de preço e parametrização de sistema para as empresas fornecedoras de equipamentos e insumos médico-hospitalares.

Para que você, leitor atento, não perca a conta, a terceira mudança veio no Estado de São Paulo, que publicou os Decretos nº 65.717 e 65.718, concedendo a isenção de ICMS para agentes privados que prestam serviços ao Sistema Único de Saúde - SUS. Alguns "poréns":

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(i)                  a isenção poderá ser total ou parcial, a depender do percentual de procedimentos realizados em pacientes do SUS;

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(ii)                está condicionada ao estabelecimento adquirente possuir a Certificação das Entidades Beneficentes de Assistência Social, a CEBAS. Para tanto, a Secretaria da Saúde de São Paulo deve enviar uma lista à Secretaria da Fazenda publicando os estabelecimentos que possuem CEBAS válida;

(iii)               embora tenha sido publicado em 22 de maio de 2021, os efeitos do Decreto nº 65.718 foram retroativos a 1º de maio de 2021.

Novamente, o mantra já conhecido: rediscussão de preços e parametrização de sistema. Agora, contudo, um novo problema: e os fornecimentos que ocorreram entre 1º e 21 de maio, com tributação integral do ICMS? Haveria restituição do ICMS? Os adquirentes seriam ressarcidos do montante do ICMS indevidamente pago? Embora a lista de estabelecimentos que possuem CEBAS não tivesse sido publicada, seria possível aplicar o benefício?

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O tempo para discussão foi curto, porque a quarta mudança surgiu dez dias depois: o Convênio ICMS nº 75/2021 mudou, mais uma vez, a descrição de produtos do Convênio ICMS nº 01/99, três deles que já haviam sido objeto de mudança do Convênio ICMS nº 48/2021. Além disso, foi adicionada a Cláusula Terceira-B que prevê que o produto constante no item 54 (Conjunto de circulação assistida) tem a isenção de ICMS aplicada nos termos vigentes em 30 de novembro de 2020 para os Estados de São Paulo, Paraná e Goiás.

Se você, leitor, continua atento e não se perdeu em meio de tantas mudanças, já sabe o que vem a seguir: rediscussão de preços e parametrização de sistema. Mas, para completar o pesadelo, outras duas mudanças vieram no Estado de São Paulo:

(i)                  o Decreto nº 65.813/2021, publicado em 23 de junho, adicionou uma condição à isenção de ICMS em São Paulo, qual seja, a de que os produtos também usufruíssem de desoneração do PIS/COFINS. Além disso, publicou uma nova lista de produtos beneficiados no Estado, que não contempla as alterações trazidas pelos Convênios ICMS nº 48 e 75 de 2021. E claro, o Decreto produz efeitos retroativos a 1º de junho de 2021;

(ii)                a Portaria 42/2021, publicada em 6 de junho, traz a lista das entidades que possuem o CEBAS, conforme previsto no Decreto nº 65.718. Como de praxe, essa lista também produz efeitos retroativos a 1º de maio de 2021.

Mais dúvidas surgem no setor. Como se adequar às alterações retroativas? Empresas que possuem o CEBAS, mas não estão listadas na Portaria 42/2021, podem se beneficiar da isenção? É possível pedir o ressarcimento do ICMS pago indevidamente? Quais produtos estão sujeitos à isenção de ICMS, aqueles previstos no Convênio ICMS 01/99 com as mudanças trazidas pelos Convênios ICMS nº 48 e 75 de 2021 ou aqueles previstos no Decreto nº 65.813? Para operações que estavam sujeitas à isenção e deixaram de estar, deve ser observado o princípio da anterioridade?

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É importante que fique claro o completo absurdo vivido pelas empresas desse setor no período. Foram seis mudanças, sendo três com efeitos retroativos, com conflito entre regulamentação nacional e estadual e colocando, muitas vezes, fornecedores e adquirentes em rota de colisão a respeito do montante a ser restituído de ICMS nas operações já praticadas.

Isso sem contar os riscos de autuações que as empresas estão correndo: no Estado de São Paulo, destacar indevidamente o ICMS em documentos fiscais está sujeito à multa de 30% sobre o valor da operação. Assim, a cada dia que as empresas não parametrizem os seus sistemas - que demanda um esforço que só quem é da área sabe - estão sujeitas à uma multa de 30% do valor de cada venda que fazem.

É de se indagar se, diante da maior crise sanitária já enfrentada, com mais de 500 mil mortos no país, com ainda poucas pessoas imunizadas, era mesmo o melhor momento para se criar tantas regras confusas, algumas retroativas no setor. A nosso ver, não.

São situações como essa que nos fazem refletir ainda mais sobre a política fiscal e nosso modelo de sistema tributário no país. Por mais que, muitas vezes, o poder de regulamentar o ICMS é fundamental para atrair incentivos ao Estado, é de se ponderar que uma reforma tributária que unifique tributos indiretos - tal como as Propostas de Emenda Constitucional nºs 45 e 110 - traria uma racionalidade ao sistema e segurança para as empresas seguirem em frente, além de reduzir custos altos e absolutamente inexplicáveis com parametrização de sistemas a cada quinze dias.

*Guilherme Mendes Soares e Paulo e Paulo César Teixeira Duarte Filho, advogados tributaristas do Stocche Forbes Advogados

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