PUBLICIDADE

Foto do(a) blog

Notícias e artigos do mundo do Direito: a rotina da Polícia, Ministério Público e Tribunais

Setembro amarelo: fatores sociais que impactam a saúde mental

Por Lella Malta
Atualização:
Lella Malta. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O amarelo, como contraponto à sombra e ao desalento que assolam mais de um milhão de pessoas que cometem suicídio anualmente no mundo, traz luz para o necessário -- e urgente -- debate sobre saúde mental e o crescimento de casos de autolesão, sobretudo entre os jovens. Dados da campanha "Setembro Amarelo", coordenada pela Associação Brasileira de Psiquiatria e em parceria com o Conselho Federal de Medicina, registram que quase 97% dos casos de suicídio estão relacionados a transtornos mentais e que o autoextermínio já é a terceira maior causa de morte de brasileiros entre 15 e 29 anos.

PUBLICIDADE

O suicídio -- tão aterrador e desconcertante -- possui todos os atributos de um ato individual; entretanto, deve ser concebido como um fenômeno social que sugere uma grave disfunção nas sociedades modernas. Émile Durkheim, um dos clássicos pensadores da Sociologia, elaborou um rico estudo sobre o tema no ano de 1897. O cientista social, que se debruçou sobre as possibilidades da coexistência entre indivíduo e coletividade, concluiu que o ato é ocasionado por excesso de coercitividade e pela frouxidão nas normas sociais. Assim, há uma completa desconstrução do indivíduo, que, descontente com seu meio, não consegue vislumbrar sentido na vida.

Nas pegadas de Durkheim, de fato não há espaço para falar sobre saúde mental sem análise do social. Nosso olhar sobre o mundo está sob uma grossa e pesada lente cultural composta por variáveis como classe, raça e gênero. Nossas particularidades e limitações são alimentadas por questões estruturais e somos fruto de um emaranhado de múltiplas e complexas interações; constantes projeções e retroalimentações que ofuscam nossa simbiose social sob luzes frequentemente incapazes de divisar uma distinção entre todo e unidade.

Desemprego, condições laborais, esgarçamento dos laços familiares, pobreza, discriminação sexual e violência de gênero são apenas algumas das muitas determinantes sociais que estão relacionadas ao comprometimento do bem-estar integral do indivíduo enquanto esfera de desenvolvimento de suas habilidades pessoais, sua produtividade e sua aptidão para contribuir positivamente para sua comunidade, lidando de forma saudável com os fatores estressantes do dia a dia. É impossível (daí a coercitividade) não se afetar.

Tendo por perspectiva as considerações feitas acima, a atual anomia imposta pela pandemia se soma a outros tantos fatores para inegavelmente acentuar a vulnerabilidade do sujeito e exasperar um microcosmo de nossa sociedade, com todos os seus defeitos e limitações. Experenciamos não só mudanças sociais profundas e inimagináveis, que vão além de um mero congelamento temporal oriundo de uma questão sanitária, mas somos confrontados com paradoxos que, antes diluídos no tempo e no espaço, nos eram ocultos. Muitos de nós, assolados por uma apatia e uma anestesia instintivas de autoproteção, acabamos sendo furtados de nossos horizontes.

Publicidade

Se o suicídio varia em uma razão inversa em relação à coesão social, o fortalecimento dos laços sociais, da consciência coletiva e da identidade dos sujeitos por meio de uma reforma institucional seria o melhor caminho para evitá-lo.

Não há vida -- e, sobretudo, vida plena -- em uma sociedade com estruturas mortas.

*Lella Malta é cientista social, terapeuta de escrita expressiva e autora de 4 livros - incluindo o Prazer, Paniquenta: desventuras tragicômicas de uma ansiosa

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.