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Senado fez 'salto triplo' ao fatiar impeachment, diz mentor da Ficha Limpa

Para Márlon Reis, condenação dos presidentes da República em caso de cassação pelo Congresso prevista na Constituição é tão clara que criadores da Lei não incluíram tais autoridades na proposta

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Por Mateus Coutinho
Atualização:

O ex-juiz e idealizador da Ficha Limpa, Márlon Reis. Foto: Divulgação

Um dos principais idealizadores da Lei da Ficha Limpa, o ex-juiz e advogado criminalista Márlon Reis considera "impossível" uma interpretação da Constituição que garanta o direito de Dilma Roussef em exercer cargos públicos após ela ser cassada , conforme decidiu o Senado em uma votação dupla nesta semana. Ele explica que, justamente por ser clara a lei que rege a punição aos presidentes da República cassados, os próprios idealizadores da Lei da Ficha Limpa decidiram não tratar dos presidentes ao discutir o projeto de Lei.

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Em entrevista ao Estadão ele falou sobre a Lei, sobre a polêmica envolvendo a condenação fatiada de Dilma no impeachment e sobre a situação do deputado Eduardo Cunha, que enfrenta um processo de cassação na Câmara dos Deputados. Confira:ESTADÃO: Lei Ficha Limpa se aplica a Dilma mesmo com a decisão do Senado? O fatiamento interfere na Ficha Limpa?

MÁRLON REIS: Não, por que a Lei da Ficha Limpa não faz referência a perda de cargo de presidente da República, ela o faz em relação aos demais mandatários, de vereador a governador, todos os cargos do Legislativo. mas só não com presidente e por que não? Por causa da clareza do parágrafo 11 art 52 da Constituição, que manda aplicar automaticamente a inabilitação de exercício de função pública. Diante da clareza do dispositivo nós achamos desnecessário (incluir isso na Lei da Ficha Limpa) por que quem perde o mandato por impeachment tem necessariamente que suportar oito anos de inabilitação do exercício de função pública. E a nossa interpretação é de que não é possível ler de outra maneira a Constituição porque ela inclusive tem lá a expressão 'perda de mandato com inabilitação'. É impossível fazer uma interpretação de que a perda do mandato não implica em inabilitação, por isso nós simplesmente não cuidamos do tema da presidente quando elaboramos a Lei. E continuo achando que estamos certo porque na verdade o Senado que errou. Como diria o ex-ministro (do STF Carlos) Ayres Brito foi um 'salto triplo carpado hermenêutico'.

ESTADÃO: No caso de Eduardo Cunha, mesmo que a Câmara também fatie seu processo, ele poderá ser enquadrado na Ficha Limpa em caso de cassação?

MÁRLON REIS: Isso, pela mesma razão que lhe disse que nós não havíamos colocado (a inabilitação da Presidência) não é? Só que o caso de Cunha (se ele for cassado) está expressamente previsto no artigo 1, inciso 1.º, alínea C da Lei de Inelegibilidade. Tem um dispositivo que fala claramente do Parlamento, dos senadores, dos deputados estaduais, federais e vereadores que perderem o mandato em virtude de infração à Constituição e perda de decoro parlamentar. Neste caso há na lei uma restrição à candidatura pelo restante do mandato atingido pelo direito, mais oito anos. O que implica dizer que Eduardo Cunha, se for cassado, precisará cumprir um pouco mais de dez anos de inelegibilidade.

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ESTADÃO: Neste caso, o enquadramento de Cunha na Lei da Ficha Limpa é automático?MÁRLON REIS: É automático. Se ele for cassado e depois tentar se candidatar, o Ministério Público apresenta à Justiça Eleitoral a certidão de que ele foi cassado e aí é indeferido o registro dele. Por isso que não depende da Câmara falar isso, não é a Câmara que declara se ele é inelegível ou não, então não vai ser possível fatiar nada, fracionar nada, não há o que ser fracionado, porque a Câmara não pode falar quem é elegível ou não, quem fala se ele é inelegível ou não é a Justiça Eleitoral. A Câmara só pode declarar se ele poderá ser cassado ou não, ela não pode falar sobre inelegibilidade.

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