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Senado aprova Aras para PGR com 68 votos

A votação ocorreu pouco após ele ser sabatinado na Comissão de Constituição e Justiça

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Por Renato Onofre , Daniel Weterman , Breno Pires e BRASÍLIA
Atualização:

Augusto Aras, procurador-geral da República. Foto: Dida Sampaio/Estadão

O Senado aprovou nesta quarta-feira, por 68 votos a 10, a indicação de Augusto Aras para a Procuradoria-geral da República. A votação ocorreu pouco após ele ser sabatinado na Comissão de Constituição e Justiça. Em uma reunião amigável, com pouco enfrentamento, Aras criticou temas caros ao governo de Jair Bolsonaro, como ao defender "correções" na Operação Lava Jato. Também elogiou a lei de abuso de autoridade ­- 'pode produzir um bom efeito' - e se disse a favor do compartilhamento de informações entre o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e o Ministério Público.

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A defesa da atuação do Coaf - rebatizado de Unidade de Inteligência Financeira - surpreendeu senadores governistas e oposicionistas. Em julho, após um pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, suspendeu investigações no País que contivessem troca de informações sem aval da Justiça. Flávio, investigado por movimentações financeiras suspeitas, estava na sabatina de Aras, mas não se manifestou.

"Como é que vamos ignorar a doutrina clássica? Nós temos o dever de denunciar, de comunicar os ilícitos porventura existentes. Os auditores fiscais por isso estariam no dever de comunicar as eventuais irregularidades", disse Aras ao ser questionado sobre as investigações do Coaf.

A sabatina, que começou pouco após as 10h, durou 5h30min, menos do que o previsto e também mais curta do que a de antecessores no cargo - a sabatina de Raquel Dodge levou quase 8h, enquanto a de Rodrigo Janot, 10h30.

Lava Jato

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Entre os questionamentos, o tema Lava Jato foi um dos mais recorrentes. Aras defendeu a operação, mas, como já havia feito antes da indicação ao cargo de chefe do Ministério Público Federal, criticou o que considerou "excessos" nas investigações.

"Talvez tenha faltado nessa Lava Jato a cabeça branca, para dizer que tem certas coisas que pode, mas tem muitas outras coisas que nós não podemos", afirmou Aras.

O subprocurador defendeu ainda estender o modelo da Lava Jato a mais Estados no País, mas respeitando o princípio da impessoalidade. "Nós poderíamos fazer tudo como ele (o coordenador da Lava Jato, Deltan Dallagnol) fez, mas com menos holofote, com menos ribalta", disse.

O primeiro não representante da lista tríplice da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) a ser indicado ao cargo desde 2003 criticou o corporativismo entre procuradores. Aras afirmou que, se o "sistema" não estivesse contaminado pelo "fisiologismo, clientelismo e o toma lá dá cá" da lista, jamais haveria a hipótese de o Ministério Público "pensar" em criar uma fundação para controlar recursos recuperados pela Lava Jato.

As críticas pontuais à Lava Jato agradaram senadores da oposição e parte da base do governo no Senado. Enquanto fazia ponderações sobre a atuação de Dallagnol, os senadores Eduardo Braga (MDB-AM), Renan Calheiros (MDB-AL) e Cid Gomes (PSB-CE) acenaram em sinal de concordância. Calheiros, alvo de inquéritos no Supremo, disse que a escolha do procurador-geral foi "a melhor decisão" do presidente Jair Bolsonaro.

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Contudo, a crítica ao coordenador da força-tarefa causou desconforto na chamada bancada "lavajatista" na Casa, que defende a operação. O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) alertou sobre as colocações do subprocurador. "Concordo com a importância da experiência, mas citando o patrono desta casa, Rui Barbosa, não se deve deixar se enganar pelos cabelos brancos porque os canalhas também envelhecem", afirmou Vieira.

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Em outro contraponto à ala "lavajatista", que apoia o pacote anticrime proposto pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro, Aras foi contrário ao projeto que prevê a isenção de pena a policiais que causarem morte em operações - a chamada excludente de ilicitude.

"A excludente de ilicitude já estava prevista no Código Penal. Me parece que não teria maior necessidade do novo regramento, mas o júri político há de prevalecer", disse Aras. Em outro ponto, porém, defendeu uma proposta apresentada por Moro, a que prevê a prisão de condenados em segunda instância. Ressalvou, porém, que o processo "não suprima o direito a recursos e ao habeas corpus".

Abuso de autoridades

Criticado dentro da categoria de procuradores por não ter passado pelo escrutínio dos pares, Aras externou um posicionamento que desagradou os colegas procuradores, a defesa da lei de abuso de autoridade aprovada pelo Congresso Federal nesta terça-feira, 24.

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"Ontem esta Casa reduziu, derrubou metade dos vetos (presidenciais), reduzindo a 18 vetos. E com isso, eu creio, acredito que temos no Brasil, hoje, uma lei de abuso de autoridade que pode alcançar, sim, a finalidade social a que se dirigia a norma e pode, sim, produzir um bom efeito, porque é preciso que quem trate com a coisa pública tenha o respeito devido ao cidadão", disse Aras.

Nos grupos internos do MPF, procuradores defendem uma ação direta de inconstitucionalidade contra trechos da lei de abuso de autoridade, o que pode ser feito por meio de associações ou pela própria Procuradoria-Geral da República. A reação às falas de Aras na sabatina foi de desaprovação, para boa parte do MPF.

Ao fundo da comissão, o presidente da Associação Nacional de Procuradores da República (ANPR), Fábio George Nóbrega, assistia à sabatina na condição de "observador". "Essa é a primeira oportunidade de acompanharmos as falas do indicado à PGR, de fazer o escrutínio público. O MPF no país inteiro está observando. Depois vamos analisar".

Defendida por Aras, a aprovação da Lei de Abuso foi criticada na sessão pelo líder do PSL, Major Olímpio. "É lamentável, sob todos os aspectos. Defendi, com mais 35 senadores, que o presidente vetasse tudo. Não vetou. E ontem, o Congresso brasileiro ainda entendeu de derrubar mais da metade dos vetos. Só vejo favorecimento para o crime e para o criminoso."

Bolsonarismo

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Durante a sabatina, o subprocurador fez questão de afirmar, mais de uma vez, que vai ter atuação de independência em relação a Bolsonaro. Aras disse na abertura e repetiu outras duas vezes durante a sessão, que o "alinhamento" entre PGR e o governo não significaria "submissão".

"Não há alinhamento no sentido de submissão a nenhum dos poderes, mas de respeito que deve a relação desses poderes", afirmou.

No momento de maior tensão durante a sabatina, foi questionado pelo senador Fabiano Contarato (Rede-ES) sobre ter assumido o compromisso de defender "valores cristãos", a prática de "cura gay" e o não reconhecimento a famílias constituídas a partir de relações homoafetivas, conforme revelado pelo Estado. O documento foi proposto Associação de Juristas Evangélicos aos candidatos à PGR e Aras foi o único a assinar.

"Eu sou delegado de polícia há 27 anos, eu sou professor de Direito há 20, estou senador da República. Eu tenho muito orgulho da minha família, eu tenho um filho. O senhor não reconhece a minha família como família? Eu tenho subfamília? Porque esta carta diz isso, senhor procurador. E diz mais: estabelece cura gay. Eu sou doente, senhor procurador?", questionou Contarato, casado com um homem e tem um filho.

Na resposta, Aras deu mais sinais de "afastamento" ao bolsonarismo e alegou ter assinado o compromisso "sem ler".

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"Não quero jamais dizer a vossa excelência e nem a ninguém que não tenha família. Isso não passa pela minha cabeça. Eu sou um cidadão deste tempo, que é o tempo de vossa excelência, e sou um cidadão que estudo culturas", afirmou Aras. "Tenho amigos e amigas que têm casamento homoafetivo."

O clima favorável fez com que parte dos 19 parlamentares inscritos abrissem mão de questionar o subprocurador. O governo não mandou nenhum representante. Nem mesmo o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), compareceu.

Aras chegou ao Senado acompanhado apenas da mulher, a subprocuradora-geral da República, Maria das Mercês de Castro Gordilho, e dois assessores de imprensa. Logo na chegada, ele anunciou que abriu mão da Sociedade Advogados, escritório que mantinha com a família na Bahia, e entregou seus documentos emitidos pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Aras foi indicado pelo presidente Jair Bolsonaro no último dia 5 e, desde então, percorreu os gabinetes de 78 dos 81 senadores. Apenas o senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO) não aceitou receber afirmando que seria "perda de tempo". Outros dois parlamentares que não tiveram encontro com o subprocurador, o senador Jader Barbalho (MDB-PA) e a senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP), ambos afastados das atividades por licença médica.

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