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Senacon e os 30 anos do Código de Defesa do Consumidor

Políticas públicas contemporâneas, alinhadas aos princípios constitucionais e às melhores práticas internacionais

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Por Juliana Domingues
Atualização:

Juliana Domingues. FOTO: ISAAC AMORIM/MJSP  

O Código de Defesa do Consumidor completou 30 anos em setembro desse ano. Durante essas três décadas, muitos hábitos de consumo e a própria sociedade mudaram. Neste ano comemorativo, não contávamos com uma indesejável surpresa: uma pandemia, cujos efeitos se estendem na economia e impõem a difícil tarefa de conciliar a defesa do consumidor, apreservação de empresas e empregos e manutenção das relações contratuais.

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Sem prejuízo de exitosas gestões passadas, o que diferencia a atuação da Senacon, desde 2019, é a percepção clara da importância da concorrência, da adoção das melhores práticas internacionais dentro de um ambiente favorável ao empreendedorismo, mas sem descuidar do enforcement da legislação consumerista de um modo que garanta o bem-estar ao consumidor e todos os seus direitos. Nada disso deveria ser novo, afinal, concorrência e a defesa do consumidor estão ladeados no artigo 170 Constituição Federal de 1988.

Com tantas mudanças nas relações de consumo, especialmente com o movimento de digitalização da economia, é inegável que a defesa do consumidor necessita de um processo de modernização contínuo. Não sem razão, um dos temas que entrou em discussão no Conselho Nacional de Defesa do Consumidor é o serviço de atendimento ao consumidor (SAC). O atendimento realizado via telefone, como era feito, não contempla mais as necessidades e os costumes da era digital. O regramento do SAC deve, portanto, ser ajustado aos novos tempos a fim de se tornar mais efetivo e resolutivo para melhorar a vida dos consumidores. A pouca efetividade do SAC ficou ainda mais evidente durante a pandemia, que acabou por trazer destaque ao Consumidor.gov.br, plataforma oficial do governo federal para composição alternativa de conflitos de consumo. Um caso de sucesso, o Consumidor.gov.br não substitui o SAC, mas cria mais um mecanismo alternativo e seguro para o consumidor resolver seus problemas em um modelo que os países do Mercosul procuram também desenvolver, com o apoio técnico da Senacon.

Nesse sentido, a Senacon foi arrojada ao, por meio da Portaria nº 15 de 2020, estabelecer critérios obrigatórios para o ingresso dos fornecedores de produtos e serviços essenciais, incluindo as plataformas de comércio eletrônico, motivando o pedido de ingresso de mais de três mil fornecedores. Foi um movimento quase concomitante com o lançamento do app do Consumidor.gov.br durante a pandemia, criando mais facilidades ao consumidor. O que poderia afetar o índice de resolução dos conflitos, mostrou-se uma política pública acertada: a resolutividade das demandas segue na faixa de 80%. Obviamente, a desjudicialização é comemorada por permitir soluções mais dinâmicas, eficientes e menos custosas ao consumidor.

Seguindo uma agenda de modernização da defesa do consumidor, considerando as relações contratuais fora do Brasil por meio do e-commerce, o Brasil assinou, na última sexta-feira (25), a adesão à plataforma internacional de denúncias de golpes e fraudes transnacionais, econsumer.gov, tornando-se o 40º país participante. A adesão à plataforma auxiliará no mapeamento dos conflitos de consumo internacionais e na resposta às infrações aos direitos do consumidor brasileiros.

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O comércio global é uma realidade que não pode ser negada no direcionamento das políticas públicas. Assim, é inescusável a participação do Brasil no cenário econômico internacional como um ator ativo e não mais passivo. Os esforços da equipe da Senacon resultaram no convite da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) que fosse elevado o status brasileiro para participante no Comitê de Política do Consumidor da organização. Além disso, várias recomendações serão incorporadas. O maior espaço dentro da OCDE é essencial para que o Brasil possa assumir uma posição como protagonista no diálogo que venha a estimular progresso dentro do comércio global.

A atuação da Senacon também tem se destacado pelo diálogo institucional. Não faltam bons exemplos de pautas conjuntas que foram trabalhadas pela Senacon junto com os órgãos do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC), tal como a recente nota técnica, assinada na semana passada, em apoio às ações coletivas buscando economia processual e efeitos diretos para a coletividade. Trabalhar os temas que unem o SNDC fortalecem pautas e constroem pontes importantes no federalismo brasileiro.

A pandemia também deixou clara a premência de um ambiente institucional para articulação conjunta, interdisciplinar e transversal, de forma que foi recriado o extinto Conselho Nacional de Defesa do Consumidor, por meio do Dec. nº 10.417, de 7 de julho de 2020. A primeira reunião do Conselho ocorreu em 15 de setembro resultando na criação de grupos de trabalho com composição heterogênea, contando com membros do SNDC, agências reguladoras, autarquias federais, além de representantes da indústria e do comércio. Foram instituídos grupos de trabalho para discussão de temas desafiadores em diferentes frentes, como o combate às pirâmides financeiras. Também será o momento adequado para tratar da modernização do SAC, da avaliação de métodos alternativos de solução de conflitos e promover uma avaliação do sistema regulatório brasileiro voltado para a defesa dos consumidores.

E como todos nós nos preocupamos com o "arroz nosso de cada dia", também foi instituído um grupo para estudo do aumento de preços dos alimentos que compõem a cesta básica, tema de especial relevância e que provocou ruídos acerca das atividades, competências e tecnicidade da Senacon. De fato, apenas neste ano a Secretaria notificou 427 agentes econômicos e fornecedores por meios de suas Coordenações-Gerais e preparou 60 Notas Técnicas orientativas, em diversos mercados e segmentos. Trata-se do estrito cumprimento do dever legal da Senacon, que deve investigar eventuais aumentos injustificados de preço, nos termos de Notas Técnicas previamente emitidas, uma delas, com o próprio Ministério da Economia.

A Senacon também se voltou ao grupo dos superendividados, que totalizavam 30 milhões de consumidores, em dados anteriores ao início da pandemia. Por essa razão, tem trabalhado na promoção da educação financeira e no combate às práticas abusivas em relação às pessoas em situação economicamente vulnerável, além de Nota Técnica assinada com todos os membros do SNDC defendendo a aprovação do PL 3535 relacionado à proteção dos superendividados. Na Escola Nacional de Defesa do Consumidor foram lançados cursos específicos visando a educação financeira. A Secretaria também promoveu um ciclo de debates, para tratar do tema do superendividamento com a participação ativa dos órgãos do SNDC e de grandes acadêmicos.

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E, como todos os consumidores brasileiros devem estar amparados em nossas políticas públicas, em 21 de setembro, foi divulgada uma pauta importantíssima direcionada a proteger e promover os direitos do consumidor com deficiência. O lançamento da pauta, no dia da luta da pessoa com deficiência, vem inaugurar outras iniciativas alinhadas com as pautas internacionais voltadas à inclusão no mercado de consumo. A elaboração de um guia de boas práticas financiado pelo PNUD visa atender à demanda verdadeira de inclusão dos milhões de consumidores com deficiência que enfrentam dificuldades adicionais com o comércio eletrônico.

Políticas públicas contemporâneas, eficientes, iniciativas de acessibilidade, pautas conjuntas com o SNDC, articulação com os demais membros do governo federal e entes federativos, promoção de alternativas que garantam escolhas, competitividade e ofertas ao consumidor, incorporação das melhores práticas internacionais e muito diálogo: esta é a agenda da Senacon neste fechamento do ciclo de 30 anos do CDC!

*Juliana Domingues, secretária Nacional do Consumidor e professora de Direito da USP

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