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Semipresidencialismo e soberania popular

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Por Carlos Cardoso de Oliveira Júnior
Atualização:
Carlos Cardoso de Oliveira Júnior. FOTO: MPD/DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Encontra-se em curso no âmbito do Congresso Nacional uma vigorosa articulação política com o objetivo de impor ao país um novo sistema de governo, pomposamente denominado de semipresidencialismo.

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Seus autores ignoram o fato de que em 21 de abril de 1993 realizou-se um plebiscito que, por mais de dois terços do eleitorado, rejeitou a proposta do parlamentarismo e consagrou o presidencialismo como sistema de governo no Brasil.

Essa consulta popular deu cumprimento a expresso mandamento constitucional determinado pela Assembleia Nacional Constituinte (artigo segundo do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias - ADTC), que, em 5 de outubro de 1988, promulgou a vigente Constituição Federal.

Tratou-se, portanto, de decisão popular proferida em decorrência do exercício do poder constituinte originário, cujo resultado não pode ser alterado ao sabor de conveniências políticas circunstanciais pelo poder constituinte derivado, de que se acham investidos o Senado Federal e a Câmara dos Deputados, posto que a questão diz respeito aos fundamentos de existência do próprio Estado Democrático fundado pela referida Assembleia Constituinte.

Neste passo, importa assinalar que o aludido plebiscito, ao atender à determinação para a sua realização, emprestou concretude ao princípio insculpido no artigo primeiro, parágrafo único da Constituição Federal, segundo o qual "todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos, ou diretamente, nos termos desta Constituição".

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Por essa razão, a melhor doutrina constitucional tem consagrado o entendimento segundo o qual o sistema de governo consubstanciado no presidencialismo passou a integrar a nossa Constituição Federal como cláusula pétrea, insuscetível de ser alterada por emenda constitucional ordinária.

Essa, por sinal, é a opinião do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos Ayres Brito, um dos mais destacados constitucionalistas do país.

Mas, mesmo entre aqueles que entendem não se tratar a questão de cláusula pétrea, portanto suscetível de alteração por meio de proposta de emenda constitucional - PEC, é quase unânime o reconhecimento de que mudança constitucional dessa natureza exige a participação direta do povo brasileiro, que a autorizaria pela via de plebiscito ou de referendo.

Sem a aprovação expressa do povo, eventual alteração do atual sistema de governo configurar-se-ia manifestamente inconstitucional.

Realizada essa breve e panorâmica abordagem constitucional do tema, afigura-se igualmente relevante avançar na análise do contexto político que emoldura a apresentação dessa proposta de substituição do presidencialismo pelo denominado semipresidencialismo.

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Antes de mais nada, convém destacar que a grande maioria dos analistas e cientistas políticos que têm se pronunciado a respeito, pelo que se sabe dos contornos dessa proposta, identificam-na como uma variação do parlamentarismo. Nada mais do que isso.

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O presidente da república continuaria a ser eleito diretamente pela população, mas suas atribuições limitar-se-iam, na essência, à chefia e representação do Estado. Quanto às atribuições propriamente de governo, ficariam concentradas nas mãos de um primeiro-ministro, que seria escolhido pela Câmara dos Deputados ou pelo Congresso Nacional (Senado e Câmara).

Ou seja, caberia ao primeiro-ministro, com o auxílio de seus ministros, o poder de formular e executar as políticas públicas voltadas para os problemas nacionais.

Ao povo restaria o consolo de eleger diretamente uma verdadeira rainha da Inglaterra, um ornamento da república, que se faria presente em solenidades oficiais, civis e militares, no país e no exterior.

Basta olhar para o que vem fazendo majoritariamente o atual Congresso Nacional, para concluir o desastre adicional que a adoção desse parlamentarismo tupiniquim significaria para o destino da nação.

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E já há parlamentares e juristas de fancaria advogando a tese de que o tema não precisa ser submetido a consulta popular específica (plebiscito ou referendo), desde que ele seja debatido na campanha eleitoral deste ano e desde que o novo sistema de governo só passe a vigorar depois do próximo mandato presidencial.

É evidente, pois, que querem negar ao conjunto do eleitorado a decisão sobre os destinos da democracia e da república no Brasil.

Isso cheira a golpe legislativo, pois sabem que a grande maioria do povo brasileiro, a exemplo do que aconteceu no plebiscito realizado durante o governo João Goulart (1963), quando foi rejeitado o parlamentarismo e restabelecido o presidencialismo, e no plebiscito de 1994, não aprovaria tamanho absurdo político.

Afinal, como aceitar ser governado por um parlamentar eleito por 50 mil votos, enquanto um presidente da república é eleito por 60 milhões de votos!?

Viveríamos uma eterna crise de governabilidade, caracterizada pela escassa legitimidade de um primeiro-ministro.

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Infelizmente, a imagem e a credibilidade do nosso Congresso Nacional estão muito deterioradas perante a opinião pública, principalmente depois da demolição que fizeram do arcabouço jurídico - institucional do nosso sistema de justiça anticorrupção e da apropriação, pelas emendas parlamentares, de parcelas crescentes do orçamento público federal, notadamente pelas ressuscitadas emendas do relator, que geraram o denominado "orçamento secreto", estas últimas em inequívoca violação das normas constitucionais que disciplinam a aplicação de recursos públicos e ampliando assim as possibilidades de corrupção.

Com isso, não se quer retirar de quem quer que seja, principalmente de parlamentares eleitos, o direito de propor alterações no tocante ao assunto aqui em debate. Mas impõe-se o reconhecimento de que em tema dessa magnitude deve caber ao povo brasileiro, no exercício da sua soberania, o direito inalienável e intransferível de tomar a decisão final e definitiva.

*Carlos Cardoso de Oliveira Júnior, procurador de Justiça aposentado do Ministério Público de São Paulo e diretor do Movimento do Ministério Público Democrático

Este texto reflete a opinião do(a) autor(a)

Esta série é uma parceria entre o blog e o Movimento do Ministério Público Democrático (MPD). Acesse aqui todos os artigos, que têm publicação periódica

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