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Sem piso, o País pode desabar

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Por Vitor Marques e Bruno César de Caires
Atualização:
Bruno César de Caires e Vitor Marques. Fotos: Divulgação  

A pauta de discussão do Congresso neste início de ano legislativo gira, novamente, em torno da concessão do auxílio emergencial e seus impactos fiscais. De novidade, temos que, ao invés de uma séria e franca discussão sobre o teto de gastos, a equipe econômica do governo propôs como atalho e solução - a sempre inconstitucional - pauta sobre a desvinculação orçamentária dos gastos constitucionais em saúde e educação.

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Nesta conjuntura, não é raro observar diversas imprecisões e confusões conceituais entre: teto e piso; gasto e investimento; constituição e política. Há tempos as ciências jurídicas compreendem a política como forma de eleição de prioridades, bem como dos meios necessários para o melhor governo, nos termos e razões instituídos pela constituição. Sempre é preciso reiterar que não há política fora do quadrante estabelecido pela ordem constitucional que deve atuar como norte e limite às decisões disponíveis dentro da arena pública.

Desta constatação, resta que o principal argumento dos defensores da desvinculação de que as regras atuais estariam limitando o poder de decisão dos gestores, impedindo qualquer redirecionamento de recursos públicos para outras áreas e ajustes de contas públicas, nada mais é que o simples reconhecimento do óbvio.

Sim, a constituição limita o poder de decisão dos gestores. Ela também "engessa" as futuras gerações às decisões daqueles que muitas vezes nem mesmo vivos estão, mas encontram-se vinculados ao pacto social vigente. Este contrato social estabelece as áreas em que a política poderá divergir daquelas que caracterizam o Estado e, portanto, devem ser preservadas na exata forma anuída, sob risco de deslegitimação da ordem constitucional.

Parece crível sustentar que apesar do imenso caminho que ainda precisamos percorrer para atingirmos uma prestação de serviços universais e de qualidade em saúde e educação, esta trilha começou a ser minimamente percorrida após a instalação da Nova República. Nesta perspectiva, a partir do momento em que o Estado cumpre com tarefas constitucionalmente impostas para realizar um direito social, seu respeito constitucional deixa de consistir apenas numa obrigação positiva, para passar a ser também uma obrigação negativa. O Estado, que estava obrigado a atuar para dar satisfação ao direito social, passa a estar obrigado a abster-se de atentar contra a realização dada aquele direito. Não cabe retrocesso quando o Estado cumpre, ainda que parcialmente, as promessas constitucionais.

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Nesta lógica, é incabível ao congresso uma discussão sobre desvinculação dos investimentos em saúde e educação, sobretudo em tempos de pandemia sanitária, nos quais os gastos de saúde parecem evidentes e necessários e os haveres com educação, mesmo com a devida vinculação constitucional, foram os menores das últimas décadas.

Enquanto a promessa de modernidade insculpida por meio dos objetivos fundamentais da república no art. 3o do texto constitucional (construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação), não for integralmente cumprida, o Estado encontra-se vinculado pela Constituição a garantir prestações de direitos sociais e promover o bem estar social.

A política entra, justamente, para ponderar esta complexa equação, exceto, nos casos em que houve a preocupação de estabelecer limites mínimos de investimento, como saúde e educação. Nestes casos, o piso foi desenhado pela ordem jurídica, sendo absolutamente inconstitucional baixar ainda mais estes patamares. Portanto, para manter o teto, o governo pretende cavar abaixo do piso, não se importando com o alicerce constitucional que deveria manter a mínima dignidade ao país.

*Bruno César de Caires, mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Lisboa, sócio do escritório Caires, Marques e Mazzaro Advogados e membro da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/SP.

*Vitor Marques, atualmente Secretário Municipal de Assuntos Jurídicos e da Justiça de Cotia/SP, mestre em Direito pela PUC-SP, membro da Comissão de Direito Administrativo da OAB/SP e associado do IDASAN.

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