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Sejamos positivos: no Brasil da pandemia, nem tudo são retrocessos

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Por Laura Barros
Atualização:
Laura Mendes Amando de Barros. FOTO: INAC/DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Diante do dramático cenário em que nos vimos repentina e involuntariamente inseridos, em que as certezas da vida foram inesperadamente subvertidas, o temor se fez intima e constantemente presente, e a sensação de desamparo e desesperança se disseminou à uma vertiginosa velocidade, temos que procurar algo de bom em que nos fiar.

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Algo que possa de alguma forma trazer alento e nos habilitar a continuar nossas batalhas. Nesse sentido - e não obstante os inegáveis retrocessos e agressões ao Estado Democrático de Direito a que vimos assistindo, em especial por parte do governo federal e sua claque militar circundante -, há algo a ser comemorado.

Refiro-me à dinâmica, mobilização e desempenho da sociedade civil organizada que se desenvolveu - ou intensificou - a partir da pandemia em contraposição à teimosa insistência do Executivo Federal em não tomar a frente das ações estratégicas de combate à Covid-19, com a coordenação das unidades federativas e centralização das informações relacionadas aos dados epidemiológicos e sanitários.

Trata-se de medidas absolutamente indispensáveis ao desenvolvimento de estratégias minimamente responsáveis, efetivas e eficientes de enfrentamento dessa crise sem precedentes por qual passamos.

Nesse sentido, a acintosa omissão do governo Bolsonaro em divulgar dados da pandemia, em orientar a população de forma consentânea com os parâmetros mundialmente colocados de prevenção e contenção da disseminação da doença - inclusive com relação ao isolamento social e uso de máscaras -, abriu espaço para a atuação mais incisiva da sociedade civil.

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No cenário governamental marcado pela inércia, apatia e opacidade intencional, a iniciativa privada de interesse público vem ganhando espaço, e mostrando-se cada vez mais fundamental à criação e desenvolvimento de políticas de transparência a viabilizarem o controle social, tanto dos gastos relacionados à emergência pandêmica quanto à situação da doença propriamente dita: sua evolução, forma de espraiamento, sucesso de medidas implementadas, capacidade de atendimento etc.

Daí decorre um certo alento frente à inexorável e inédita realidade: a sociedade civil está, sob muitos aspectos, verdadeiramente pautando a ação governamental. Veja-se, por exemplo, a situação da transparência e abertura de dados (ou sua falta), que, como dito, verdadeiramente condicionam a concepção, implementação e aprimoramento de medidas efetivas de contenção e combate à pandemia.

Nesse particular, bastante eloquente o Índice de Transparência Covid-19, desenvolvido pela organização não governamental Open Knowledge Brasil (a mesma responsável pela concepção, em parceria com a Controladoria Geral da União, do Modelo de Referência para Publicação de Dados Abertos em outubro de 2020).

Trata-se de metodologia voltada à avaliação - e ranqueamento - das diversas unidades federativas sob o ponto de vista da transparência, abertura e grau de detalhamento dos dados relativos às condições sanitárias e epidemiológicas da pandemia.

Desde seu lançamento, em meados de abril, foi determinante de significativa evolução dos índices de transparência e abertura de dados de 50% dos Estados brasileiros - sinal de inconteste adesão e envolvimento dos respectivos gestores.

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Os boletins semanalmente publicados evidenciam a sua capacidade de mobilizar os governos estaduais e fazê-los engajar-se em processos voltados à melhoria dos indicadores, em uma saudável corrida pelas melhores posições.

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Nesse sentido, dados inicialmente não disponibilizados - e, não raro, não existentes de forma organizada - foram sendo trazidos à luz, colocando-se à disposição do cidadão em geral, dos acadêmicos, da imprensa e de profissionais com potencial para auxiliar no desenvolvimento de estratégias de enfrentamento à Covid-19.

Outra iniciativa digna de registro é o Ranking de Transparência no Combate à Covid 19, desenvolvido pela Transparência Internacional com vistas ao controle das compras emergenciais, doações e medidas de estímulo econômico proteção social relacionados à pandemia.

Mais uma vez, os dados levantados viabilizam - e estimulam -, para além do controle social, o efetivo diagnóstico das medidas e políticas adotadas no cenário emergencial.

Apresentam-se como importantíssima ferramenta de combate a desvios - desde dolosos atos de corrupção até conflitos de interesses -, na medida em que trazem luz sobre a atuação dos governantes.

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Funcionam, ainda, e por mais surpreendente que possa parecer, como uma possibilidade de leitura auto referenciada dos gestores de ditas esferas federativas que, somente assim, a partir da mobilização da sociedade civil, estão pouco a pouco conhecendo o seu desempenho, seu potencial de aprimoramento e o sua efetiva posição quanto ao espraiamento, o combate e a evolução da Covid-19.

Nessa disputa, todos nós ganhamos!

Em meio a tantas perdas, de tantas ordens, o despontar de uma sociedade civil capaz de efetivamente pautar a ação (ou inação) pública - e governamental - é notícia a ser comemorada.

*Laura Barros, ex-controladora-geral e procuradora do Município de São Paulo

Este artigo faz parte de uma parceria entre o blog e o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac), com publicação periódica. Acesse aqui todos os artigos.

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