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Seja ecológico, até por economia

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Por José Renato Nalini
Atualização:
José Renato Nalini. FOTO: DANIELA RAMIRO/ESTADÃO Foto: Estadão

Se o brasileiro não se comover diante da trágica destruição da natureza, deverá estar atento a essa irreversível realidade, até por economia. É que o Fórum Econômico Mundial divulgou um relatório de que metade do PIB global proveniente das cidades está sob iminente risco, devido a perdas de natureza e biodiversidade.

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É possível calcular a perda resultante da interrupção das atividades econômicas em virtude de desastres naturais cada vez mais frequentes e mais intensos. Isso significa, em âmbito planetário, cerca de trinta e um trilhões de dólares ou cento e setenta trilhões de reais. Está comprovado que falhas na ação climática prejudicarão a economia dos municípios em todo o mundo.

É um estudo sério, feito pela Biodivercities by 2030, iniciativa do Fórum que tem o intuito de apoiar governos, empresas e cidadãos rumo a uma relação mais sustentável das cidades com a natureza. A biodiversidade contribui positivamente para as atividades econômicas ao influir na qualidade do ar, nos ciclos de água e na regulação de enchentes, além de sustentar a produção de energia, alimentos e medicamentos.

Natureza dá lucro. Desprezá-la dá prejuízo. Não é preciso grande inteligência para se aperceber disso. Mas é bizarro que dirigentes municipais continuem não só a negligenciar a tutela ambiental, como a incentivar seu extermínio, às vezes sob pífios argumentos de "progresso" ou equivocada noção de desenvolvimento.

A insensata expansão urbana veio às custas do clima e da natureza e a economia não perdoará esse erro de visão. Os danos financeiros decorrentes da inundação vão dobrar até 2030 e, se nada vier a ser feito, vão quadruplicar até 2050. Outro risco alertado pelo relatório é o do calor urbano. A falta de áreas verdes ou superfícies inteligentes, aumenta a temperatura e obriga a maior uso de energia e resulta em queda de produtividade no trabalho.

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Um exemplo emblemático é Tóquio a temperatura lá aumentou três graus centígrados nos últimos anos. É o efeito de ilha de calor da cidade. Não pode ser diferente na Zona Leste paulista, imensa mancha cinza que só é bem apreendida quando se sobrevoa a insensata megalópole. Ou qualquer outra cidade que permite até loteamentos de alto padrão, sem reserva florestal, uma enorme casa - verdadeira mansão - encostada na outra, como se todo centímetro quadrado tivesse de ser preenchido com cimento armado.

A poluição desbragada, com o insano aumento de automóveis, é uma supressão à natureza que custa vinte e oito trilhões de reais por ano, só em serviços de saúde com problemas respiratórios. As cidades respondem por oitenta por cento do PIB global e abrigam oitenta por cento da população mundial. E são responsáveis por mais de oitenta por cento das emissões globais de carbono.

A natureza é a espinha dorsal do desenvolvimento urbano. É preciso reconhecer a cidade como sistema vivo. Não é um ajuntamento ilógico de construções, sem terra para escoar as precipitações pluviométricas, sem árvores, sem jardins, sem verde e sem vida.

Seria bom acreditar que, depois das tragédias em Minas, Bahia e Goiás, depois dos vendavais de areia - típicos do deserto, no interior paulista - e depois da seca no Rio Grande do Sul, os prefeitos abraçassem a natureza e cuidassem de prevenir, em lugar de apenas remediar.

Alguns prefeitos já fizeram isso. São poucos. Em Santos, Paulo Alexandre Barbosa criou uma lei para lidar com as mudanças climáticas. Em Niterói também, onde 267 pessoas morreram no deslizamento do morro do Bumba, em 2010, criou-se a Secretaria Municipal de Mudanças Climáticas.

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São poucas as cidades que têm um prefeito atento. Quase sempre, ele está mais interessado na eleição e na matriz da pestilência chamada reeleição, chave de todos os males na combalida e suja política partidária tupiniquim. Em Santos, o plano municipal de mudanças climáticas criado em 2016, depois de um ano de estudos e debates com a população, cuida de viabilizar instrumentos econômicos para políticas públicas, criar uma base de dados sobre mudanças climáticas e o monitoramento de fatores de risco à saúde decorrentes do aquecimento global.

Os municípios, em regra, cuidam de inflar a máquina estrutural para abrigar nela os que cuidarão das próximas eleições, para socorrer os que não conseguiram se eleger, aumentando a carga tributária que a cidadania espoliada reconhece injusta, mas não tem o que fazer para repelir esse pesado ônus.

Enquanto isso, a natureza fica à míngua. Talvez com os prejuízos, surja alguém motivado a inverter a chave e a respeitar a ecologia. Talvez.

*José Renato Nalini é reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e presidente da Academia Paulista de Letras - 2021-2022

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