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Seja doador de órgãos e avise sua família. Sem consentimento da família, não tem doação

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Por Paulo Bittencourt
Atualização:
Paulo Bittencourt. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A intenção de doar  órgãos e tecidos parece aceita pela maioria dos brasileiros. É o que indica pesquisa do Instituto Datafolha, realizada em agosto deste ano, por solicitação do IBRAFIG - Instituto Brasileiro do Fígado, que mostrou que 7 entre 10 brasileiros têm a intenção de doar órgãos. O resultado pode ser um alento para as mais de 45 mil pessoas que hoje vivem nas filas de espera por transplantes de órgãos no país - destes, cerca de 1.200 aguardam por um fígado e mais de 26.000 esperam por um rim. Na fila de espera por um transplante renal,  as pessoas com doença renal crônica em fase terminal tem a possibilidade de se submeter a terapia renal substitutiva por hemodiálise ou diálise peritoneal. Aqueles que aguardam um transplante de fígado, coração e pulmão não contam com um sistema artificial que substitua a função de cada um destes órgãos, o que impõe um alto risco de mortalidade em lista de espera.

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Entretanto, o estudo Datafolha mostrou também que, na prática, cerca da metade  destes potenciais doadores (46%) brasileiros não informou à família sobre este desejo. Sem consentimento da família, não há doação pela legislação brasileira.  Sabemos que quando a família e amigos conhecem este desejo, a doação de órgãos tem mais chances de ser efetivada.  A taxa de recusa familiar, no Brasil, é estimada em torno de 40% - enquanto em países como Espanha, que lidera o ranking de transplantes e doações por milhão de habitantes, a recusa familiar está abaixo dos 10%.

Por isso, em parceria com a ABTO - Associação Brasileira de Transplante de Órgãos, nós do IBRAFIG estamos em campanha, aproveitando que vem aí o Dia Mundial de Conscientização de Doação de Órgãos (27/09) - mas esta data é só uma oportunidade para abordar o tema, que deve ser reiterado todos os dias do ano e ano após ano. É necessário conscientizar a população sobre a importância de doar seus órgãos em caso de falecimento e também educar os profissionais de saúde sobre a melhor forma de abordar os familiares daquelas pessoas com diagnóstico de morte encefálica, para tornar efetiva a doação como um último desejo ou ato de cidadania e solidariedade daquele ente querido que está partindo. Sem capacitação adequada é muito difícil um família transformar dor e luto em um gesto de amor ao próximo. Cada doação efetivada pode salvar até oito vidas.

Conduzida de forma presencial, a pesquisa Datafolha  ouviu  1.976 pessoas com 18 anos ou mais, em 129 municípios pertencentes a todas as classificações econômicas, conforme critérios do PNAD 2019.  Os dados mostram que quanto maior a renda e a escolaridade,  maior a intenção de doar. Entretanto, vimos pela pesquisa o que observamos em nossa prática clínica: as pessoas que conhecem alguém que  ficou na agoniante espera por uma doação de órgãos e se  beneficiou de um transplante de órgãos demonstram o desejo em doar seus órgãos, independente da idade, escolaridade e renda. Outro aspecto importante, o desejo de doar foi maior naquelas regiões onde existe maior atividade transplantadora, devido à maior concentração de equipes de transplante de órgãos. O Norte, por exemplo, que tem o menor número de doadores efetivos e de transplantes de rim e fígado do país é a região com menor percentual de indivíduos com desejo de doar, mostrando  a vida real confirma o ditado popular mais uma vez - o quê os olhos não veem o coração não sente...

Os 30% que declaram não querer doar, os motivos variam entre desinteresse, continuar inteiro pós morte e motivos religiosos, entre outros.

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Apesar do interesse e da boa intenção da maioria. como mostrou esta pesquisa,  a taxa de doação de órgãos ainda é baixa em nosso país em relação à demanda existente. Segundo dados da ABTO, em 2018, o índice de adesão cresceu 2,4%, atingindo 17 doadores por milhão, enquanto a meta estimada para aquele ano era de 24 doadores por milhão. O quadro da pandemia do Covid-19 acentuou a baixa taxa de consentimento.  Durante os últimos dois anos, os índices de doações por milhão de população regrediram para números de quase uma década atrás, com consequente redução no número de transplantes, variando  de órgão para órgão. De acordo com o Registro Brasileiro de Transplantes da ABTO, quando comparamos 2020 a 2019, tivemos uma redução no número de transplantes de rim, fígado, coração e pulmão, respectivamente, de 24,5%, 9%, 16,7% e 38,7%.

E entre os futuros profissionais de saúde?  Sondagem semelhante foi realizada, diretamente pelo IBRAFIG, com estudantes de medicina de escolas públicas e privadas a respeito da doação de órgãos. Afinal, em breve alguns destes estudantes estarão na linha de frente e podem vir a liderar esse processo.

Do total de 391 estudantes, com idade média de 23 anos, matriculados entre o 3º e 6º ano de Medicina, 91% demonstrou intenção de doar os órgãos e 75% deles já avisaram a família. Os quase 10% que pretendem não doar alegam motivos semelhantes às razões da população em geral - não querem ser manipulados pós-morte, religião e possível reação negativa da família. Portanto, além da população fazer seu papel -  manifestar o desejo de doar em conversas com parentes e amigos e consentir com a doação dos órgãos de um ente querido - cabe  a nós, profissionais de saúde, capacitar a equipe de profissionais para melhor comunicar e acolher as famílias num momento, que sabemos, é difícil.

Convidamos a todos a fazer sua parte: em @tudosobrefigado, se esta for sua intenção, você encontra um filtro de instagram que facilita o caminho: é só baixar e compartilhar com a sua família e amigos. Seja Doador, Avise sua Família é urgente, pois sem o consentimento da família, não há doação. E a fila tem que andar.

*Paulo Bittencourt é médico hepatologista, especialista clínico em transplante de fígado epresidente do IBRAFIG - Instituto Brasileiro do Fígado

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