A lei prevê diretrizes e mecanismos prévios para os processos de tomada de decisão e para a formulação de políticas públicas. As novas regras foram inseridas na importante Lei de Introdução ao Direito Brasileiro, de 1942, que até então só cuidava de temas clássicos como a interpretação de normas de direito privado, o conflito aparente de normas e a proteção do direito adquirido, da coisa julgada e do ato jurídico perfeito. Já estava na hora de uma modernização, para aumentar a previsibilidade e a segurança também em relação ao direito público.
Para impedir interpretações superficiais e iníquas, a Lei 13.655 impôs algo elementar sob a ótica republicana: a análise de causalidade e a obrigatoriedade de fundamentação de decisões administrativas com a devida consideração das consequências diante de um caso concreto. Atos, contratos e sanções administrativas, temas que frequentemente se sujeitam ao casuísmo e voluntarismo, agora dependem de motivação capaz de assegurar maior concretude, facilitando a identificação das hipóteses de desvio de finalidade e abuso de poder.
Na medida em que o Estado brasileiro continua a exercer papel preponderante no impulsionamento da economia e das relações sociais, o republicanismo impõe que meios de controle e fiscalização equivalentes sejam contrapostos à Administração Pública e também aos órgãos incumbidos de controlar sua atuação, como o Judiciário.
Outra importante mudança, voltada a tutelar o poder de decisão dos gestores públicos, foi quanto à necessidade de se considerar os obstáculos e a realidade presentes quando da tomada da decisão administrativa. Muitas vezes, a espada de controladores se baseia apenas em idealizações extemporâneas. Nada mais incongruente do que julgar uma decisão administrativa sem conhecer e considerar as condições reais que a cercaram. Já dizia Ortega y Gasset, que "o homem é o homem e a sua circunstância".
A lei buscou também proteger a confiança legítima dos particulares em situações constituídas com base em orientações administrativas. Essas orientações podem mudar no futuro, inclusive em virtude de novas interpretações sobre o que é legal ou ilegal. Mas a Lei 13.655 exige que, em casos assim, sejam preservados efeitos dos atos passados e seja adotado um regime de transição, evitando surpresas e incertezas que impactem direitos de particulares. Será uma importante medida, por exemplo, para o sucesso de programas de investimento em infraestrutura.
Além do aumento da previsibilidade da atuação da Administração Pública, talvez a principal marca da Lei 13.655, também foi consolidado o seu poder de transigir por meio de mecanismo de natureza negocial: o compromisso administrativo. Somado ao regime de transição e à análise de causalidade, ele serve para superar, com mais rapidez e qualidade, eventuais irregularidades e incertezas na aplicação do direito público.
A principal característica do compromisso administrativo é o estímulo à cooperação público-privada para a superação de entraves que poderiam demandar anos para serem solucionados no Poder Judiciário, como costuma ocorrer com os pedidos de reequilíbrio econômico-financeiro em contratos administrativos, PPPs e concessões comuns. Mas, para funcionar bem, o compromisso tem de ser negociado com total transparência e controle, a partir de balizas adequadas. A Lei 13.655 garante isso.
A nova faceta do direito público, estampada nessa lei, é de incentivo à colaboração e participação da sociedade civil, que aparece em outras medidas, como o estímulo à realização de consultas públicas e de análises de impacto para a edição de normas administrativas. Aliás, a implementação de análise de impacto regulatório por parte de agências e órgãos públicos demonstra o quanto a nova lei está em sintonia com os mais promissores modelos contemporâneos de regulação, em especial porque concilia o binômio responsabilidade-causalidade antes da implementação de políticas públicas.
Em resumo, a Lei 13.655 oferece à sociedade brasileira uma interessante diretriz sobre qual deve ser o propósito e a forma de atuação da Administração Pública. Ela ajuda o Estado a renovar sua legitimidade democrática.
*Carlos Ari Sundfeld, professor Titular de Direito Público da FGV-SP*Thiago Luís Sombra, sócio do escritório Mattos Filho