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Segurança jurídica para a retomada do crescimento socioeconômico

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Por Gisela Gadelha
Atualização:
Gisela Gadelha. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

É inegável que, modernamente, estejamos vendo uma humanização dos contratos, através da flexibilização de princípios contratuais tradicionais, como por exemplo o pacta sunt servanda, pelo qual o pacto vincula e faz lei entre as partes, por conta de valores constitucionais e fundamentais de maior valoração no ordenamento jurídico, como a dignidade humana, a própria função social do contrato, e outros. De fato, há longa data vários princípios contratuais clássicos, como a autonomia de vontade, vêm sendo restringidos em alguns aspectos, por força da atuação do Estado, que limita determinadas cláusulas e condições da atividade empresarial. Todavia, tal possibilidade, ainda que exista, não pode significar uma ampla liberdade de se negar os efeitos de contratos válida e previamente firmados, com regime jurídico já consolidado e com plena produção de efeitos, sob pena de se violar, de plano, a segurança jurídica, e, por conseguinte, o próprio estado democrático de direito.

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Não se questiona a possibilidade de o Estado intervir na atividade empresarial, seja em caráter prévio, através da edição de normas que limitarão contratos a serem firmadas; em caráter concomitante, através do acompanhamento de atos da vida empresarial; e em caráter posterior, pela desconsideração de atos praticados. Contudo, em se tratando de situações já consolidadas, há que existir limites.

Recentemente vivenciamos um exemplo onde o Poder Público, de forma unilateral e até mesmo violenta, suspendeu os efeitos de um contrato de concessão da Linha Amarela, ainda longe do fim de sua vigência. Tal medida, realizada sem prévio aviso, com desprezo ao devido processo legal, caracterizou manifesta violação à segurança jurídica, considerada pela doutrina um megaprincípio constitucional, da qual decorrem outros princípios tais como a boa-fé objetiva e a presunção de legalidade dos atos do Poder Público. A questão foi judicializada e a açodada medida foi mais de uma vez rechaçada. Hoje, porém, o contrato encontra-se suspenso, havendo não só uma miríade de medidas judiciais, mas até mesmo uma Lei Complementar cuidando do caso, dos quais resulta ainda mais insegurança jurídica. Caso os Poderes Judiciário e Legislativo admitam as medidas como as então tomadas, viveremos num regime no qual todos irão perder, e o principal prejudicado será o próprio Estado, ao ter sua ordem jurídica maculada pela incerteza.

Não bastasse a mencionada insegurança jurídica, a rescisão abrupta da concessão também é extremamente prejudicial ao Município do ponto de vista orçamentário, pois gera custos operacionais para manutenção da rodovia, consistindo em despesas adicionais no último ano do mandato da atual prefeitura.

O Direito brasileiro não é omisso ao tratar de instrumentos e institutos aplicáveis aos contratos, notadamente para a sua revisão, reajuste e execução, inclusive em caso de desequilíbrio contratual, onerosidade excessiva, sem falar na necessária adesão a boas práticas de gestão e compliance. Em se tratando de contratos plenamente vigentes, toda e qualquer alegação deve vir acompanhada de elementos probatórios sólidos que viabilizem sua adequada investigação pelos entes competentes, com a pronta responsabilização dos envolvidos, mas também com a total observância do devido processo legal e do contraditório constitucionais.

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A imposição unilateral da resolução de um contrato, sem a observância dos procedimentos formais e legais para esta desconstituição, é uma mensagem extremamente negativa para investidores, em um contexto em que os governos federal, estadual e municipal buscam concessões para destravar investimentos.

A concretização de investimentos privados e a retomada do crescimento socioeconômico de nosso Estado dependem de um ambiente de segurança jurídica e do cumprimento dos contratos firmados pela Administração Pública.

*Gisela Gadelha é mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Autônoma de Lisboa, diretora Jurídica e de Compliance da Firjan e vice-presidente jurídica Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem

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