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Se somos capitalistas, que atuemos como tal

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Por Luis Carlos Moro
Atualização:
Luis Carlos Moro. FOTO: ARQUIVO PESSOAL Foto: Estadão

Tenho insistido nesse tema, na esperança de que um apelo à racionalidade ecoe naqueles a quem compete a administração do importantíssimo Programa de Alimentação do Trabalhador - PAT, que opera por meio de cartões magnéticos substitutivos dos antigos vales emitidos em papel.

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No último ano, foram dois artigos publicados aqui nos quais procuro chamar a atenção para as graves distorções na operacionalização dos vales alimentação e refeição por parte das administradoras de benefícios que, organizadas em oligopólio, capturaram uma política pública destinada à alimentação das classes trabalhadoras, mas que tem nutrido, na realidade, lucros de uma pequenina fração de um empresariado cartorial e extrativista de lucros verdadeiramente abusivos, obtidos do esforço de toda a classe trabalhadora e dos restaurantes, bares, padarias e empreendimentos que fornecem refeições aos supostos beneficiários do programa.

Assim, os verdadeiros grandes beneficiários têm sido outros, ocultos sob o nome "do Trabalhador" do Programa. Imagine-se que apenas quatro empresas (VR, Ticket, Sodexo e Alelo) detêm 90% do mercado há mais de 40 anos, cobrando taxas de até 8% por transação.

Com o advento da pandemia a ganância revelou-se ainda mais cruel, com bares e restaurantes fechados. Além disso, os centros de trabalho foram ainda mais pulverizados, com muitos trabalhadores em regime de home office, com seus saldos retidos nos cartões magnéticos físicos e boa parte dos restaurantes quebrou diante dos custos impostos aos empreendedores. A muitos trabalhadores, restou vender seus créditos com deságio de até 50% (cinquenta por cento) para aproveitadores do sistema.

Os restaurantes que sobreviveram e que trabalham com o recebimento de vales, veem-se obrigados a repassar o custo a todos os seus consumidores, que acabam arcando com as elevadas taxas de administração, independentemente de serem beneficiários do sistema. A alta de preços da alimentação é turbinada pelo percentual dos intermediários dos vales.

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Alertada para a necessidade de revisão deste cenário triste, em meados de 2021, a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia abriu consulta pública para revisão do PAT. Mas não resultou em nada.

Com o retorno gradativo das atividades presenciais, é fundamental que o governo delibere sobre as propostas que se acham sobre a mesa, desde a proibição do ágio praticado pelas administradoras de benefícios (prática conhecida como rebate e que gera um ciclo vicioso de taxas abusivas); a possibilidade de operação dos vales alimentação e refeição em arranjo aberto, modalidade cuja gestão Banco Central permitiria ampla concorrência e preferência por aquelas impositivas de menor custo, quebrando-se, assim, o oligopólio vigente nesse mercado; e, principalmente, a portabilidade dos saldos do trabalhador, viabilizadora da escolha de onde deseja receber seus vales (hoje o empregador impõe a bandeira e o trabalhador só pode se alimentar na rede conveniada à bandeira escolhida por outrem).

Que a Pasta rediviva do Trabalho não perca essa oportunidade e promova uma reforma efetiva e democrática no Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT) com vistas a favorecer quem trabalha, os verdadeiros beneficiários da política pública, além de outros atores sociais, como os empreendedores do ramo de bares, restaurantes e similares, sem ceder aos lobbies e pressões das administradoras de benefícios que há décadas lucram com um mercado fechado, financiado por subsídios públicos.

Já passou da hora daqueles que se dizem capitalistas organizar a economia sob os auspícios da ampla concorrência, deixando para trás nossas praticas colonialistas, pré-capitalistas e cartoriais.

*Luis Carlos Moro, especialista em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco da Universidade de São Paulo (1991). Ex-presidente da Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo (1998/2000), da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas (2000/2002) e da Associação Latino-Americana de Advogados Trabalhistas (2003/2005). Ex-conselheiro e ex-diretor da Associação dos Advogados de São Paulo (2007/2015). Patrono Nacional da Advocacia Trabalhista no XXXIV Congresso Nacional dos Advogados Trabalhistas (2016). Vice-presidente da Associação Luso Brasileira de Juristas do Trabalho (2016/2018). Secretário-geral da Associação Americana de Juristas - AAJ (2017/2020). Foi professor de Direito e Processo do Trabalho em várias instituições privadas de ensino superior

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