A analogia cabe para ilustrar o momento que atravessa a LGPD: nas últimas semanas, muito se falou em alteração na data de vigência, tendo como pivô o art. 4º da Medida Provisória nº 959/2020, que tentava alterá-la para maio de 2021, sob argumentos plausíveis, como o atraso causado pela pandemia e a inexistência da ANPD.
No entanto, a MP 959/2020 - de iniciativa do Executivo - não teve o necessário apoio, motivo pelo recebeu destaque que propunha nova data para vigência da LGPD: 31 de dezembro de 2020. Ocorre que as Medidas Provisórias possuem prazos legais para serem votadas ou perdem sua validade, e o prazo para votá-la se encerraria no dia 26 de agosto. Ou seja, era necessário votar com urgência.
Foi com essa sensação de 45' do segundo tempo que a Câmara dos Deputados aprovou, em 25/08, o adiamento para a nova data de dezembro e o texto foi remetido ao Senado, para votação em um único dia. Entretanto, se já não tínhamos testemunhado reviravoltas suficientes, a principal ainda estava por vir.
Contrariando todos os prognósticos que davam como certo o adiamento, o Senador Eduardo Braga (MDB-AM) apresentou uma questão de ordem: o Regimento Interno do Senado impedia a deliberação, visto que esse debate já havia acontecido em relação à Lei 14.010/2020, em que se decidiu pela postergação somente dos artigos da LGPD que previam as sanções administrativas.
Dando razão ao Senador, a Secretaria Geral da presidência do Senado opinou favoravelmente à sua questão de ordem e o presidente Davi Alcolumbre acatou o pedido, para julgar prejudicado o artigo que adiava a vigência da LGPD e ainda aproveitou para - de forma totalmente pertinente - questionar a demora na criação da Autoridade Nacional e reforçar que, em sua opinião, a prorrogação dos artigos relativos às sanções administrativas trazem conforto o bastante para admitirmos a vigência da Lei a partir de já. Com isso, o artigo 4º foi removido da Medida Provisória, que foi aprovada com relação aos demais dispositivos.
O que fez o Senado trouxe grandes incertezas quanto à real data de vigência da LGPD: julgar o dispositivo como prejudicado - em vez de rejeitá-lo no mérito - traz implicações práticas do maior calibre, já que suscita diversas questões sobre a tramitação de Medidas Provisórias, gerando um cenário de incertezas generalizadas.
Afinal, entraria a Lei em vigor imediatamente (diante da rejeição)? A partir de 27/08 (dia seguinte à deliberação)? Seria necessário aguardar a sanção ou veto presidencial? Ou será que a vigência da LGPD retroagiria à data passada de 16/08 e estaríamos nós vivendo esse tempo todo sob sua vigência sem saber?
O Senado já emitiu opinião de que a vigência ocorreria após a sanção presidencial, mas a jurisprudência do STF não é tão clara. Assim, curiosamente, as aparências indicam que a LGPD está e não está vigente ao mesmo tempo. Quem arrisca um palpite?
*Renato Malafaia - Sócio da Daniel Advogados