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Saúde mental dos profissionais que estão na linha de frente da pandemia

Por Maria Francisca Mauro
Atualização:
Maria Francisca Mauro. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Há um ano atravessamos um cenário de muita pressão externa, com mudanças extremas na rotina da maioria das pessoas. Quando todos foram incentivados a se isolarem, um grupo da categoria profissional de saúde foi "intimado" a se sacrificar mediante a desconhecida ameaça. Se os profissionais da linha de frente já tinham enfrentado desafios em suas práticas e carreiras, nada se equiparou a este último ano.

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Colocados como "heróis", foram desumanizados para que pudessem no lugar de deuses da humanidade, sacrificarem seus corpos e suas necessidades individuais em nome do cuidado e compromisso de salvar vidas. Mediante a incerteza, precisaram assumir o comando, aprenderam com as mortes diárias e os avanços das pesquisas, novos protocolos de tratamento. Se por alguns momentos, o cenário com uma maior segurança dos protocolos empreendidos possibilitava salvar mais vidas, ou mesmo tempo a promessa da vacinação dava um sopro de alívio, os meses de pressão persistiram.

Nesta trajetória, muitos se contaminaram, outros morreram, assistiram um entorno de perda de familiares, amigos e colegas de trabalho. Entretanto, não puderam escolher uma nova série na televisão, ou deixar de ler as notícias, pois suas rotinas os imprimiam a uma constante constatação da gravidade da pandemia. Diante do cenário atual da Covid-19 no Brasil, com um crescente número de mortos, contaminados e um sistema de saúde em iminência de colapso, estes "heróis" estão no seu limite físico e emocional.

Uma revisão da literatura, publicada na revista Progress in Neuropsychopharmacology & Biological Psychiatry em janeiro de 2021, com dados de estudos chineses entre 2019-2020, apontou que os profissionais de saúde na linha de frente da pandemia teriam até 70% de chance de evoluírem com sintomas de depressão, ansiedade, insônia e estresse. Outros estudos ao redor do mundo, também têm corroborado que a pressão demasiada nesta categoria tem aumentando o adoecimento emocional deles.

No Brasil, dados recentes divulgados pela Fundação Oswaldo Cruz, com 25 mil profissionais de saúde em todo Brasil, apontaram que as incertezas quanto ao equipamento de proteção, as rotinas extenuantes e todo o cenário nacional colaboraram para o aumento de sintomas emocionais de sofrimento. Também em outro estudo brasileiro, realizado pelo Instituto Dor, configura um aumento da Síndrome de Burnout, nesta categoria, devido ao estresse relacionado ao trabalho.

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Precisamos humanizar os profissionais de saúde, não somente os que sempre lembramos como médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, mas aqueles invisíveis nas rotinas dos grandes hospitais como os maqueiros, recepcionistas, profissionais da limpeza. Assim como temos limites, estas pessoas também tem. Não são abnegados de qualquer sofrimento ou esgotamento. Primeiramente não são heróis, mas são pais, filhos, esposas, mães, parceiros, amigos e toda sorte de laço social que possa os inscrever mais próximo de todos. Heróis podem ser sacrificados, pois como não padecem, sempre estão prontos para o próximo combate.

Os profissionais de saúde até gostaram dos aplausos, no entanto, clamam por condições de trabalho e respeito. No caminho do descanso precisam assistir o compromisso da população. Conseguirem perceber coerência nas ruas e uma maior assertividade do poder público quanto ao direcionamento de políticas que não escancarem indiferença ou omissão. A solução não tem prazo ainda, mas tem as escolhas que cabe dentro de nossas individualidades podermos ser menos egoístas.

De certa forma, por aqui em nosso país estávamos "seguindo o baile", parece que a música desligou. Um silêncio ensurdecedor despertou muitos, outros tantos colocaram seus fones de ouvido e seguem na "batida da alegria". Cada qual escuta a música que escolhe, mas pondere que você já pode rodar todas as suas playlists, mas estes "heróis" ainda seguem mascarados, sufocados e excluídos da festa. Talvez seja hora de limpar o salão, recolher os caídos, contar os ausentes e acender a luz da coerência.

Mesmo que a solução seja a vacinação em massa, podemos diminuir as entradas nos hospitais e dar um respiro aos que estão por lá a se desdobrarem. E, para isso, já fomos alfabetizados, não queremos ficar ainda mais tempo no mesmo estágio. Meu profundo respeito aos que se dedicam, na batalha real de cada lugar de atendimento de saúde, em que o som, cheiro e lágrimas, não os permitem trocar ou pular a música. Aos que perceberam que chegaram em seus limites, não hesitem em se humanizar para poderem ser cuidados.

*Maria Francisca Mauro, mestre em Psiquiatria pelo PROPSAM/UFRJ

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