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Saúde e liberdade andam juntas neste momento?

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Por Thaís Pinhata e Raquel Rosa
Atualização:
Thaís Pinhata e Raquel Rosa. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Embora o mundo esteja, há meses, enfrentando a covid-19, apenas semana passada  a população brasileira começou a se mobilizar. Nesse sentido, o governo do estado do Rio de Janeiro anunciou, na última sexta feira, dia 13, medidas temporárias de prevenção ao contágio e de enfrentamento da propagação do coronavírus.

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Ocorre que, embora a regra basilar e vital seja evitar locais públicos, não foram poucas as fotos e os vídeos que circularam pela internet no final de semana mostrando que, enquanto o mundo - e a economia - vem desacelerando para conter a propagação do coronavírus, as praias, os bares e os restaurantes no Rio de Janeiro continuaram a ser locais de ampla socialização.

Embora a locomoção seja um direito fundamental assegurado pelo artigo 5o da Constituição Federal, não há óbice jurídico para que seja relativizado diante de circunstâncias do caso concreto, como a facilidade de proliferação da covid-19, que tem desafiado sistemas de saúde pelo mundo, e a displicência de significativa parte da população do Rio de Janeiro, que continua a frequentar lugares públicos coletivamente.

Na última sexta, o governador do estado, Wilson Witzel, deu declarações públicas no sentido de que a Polícia Militar, por exemplo, poderia impedir a concentração de banhistas nas praias do estado durante a pandemia, mas não definiu de qual forma e quais os limites dessa intervenção por parte do órgão de segurança estadual.

Às declarações se seguiu a promulgação do Decreto Estadual nº 43.973, de 17 de março de 2020, que trouxe determinações de suspensão de atividades ligadas à administração estadual e ainda recomendações de restrições gerais às atividades privadas e pessoais. De igual forma, o Decreto não trouxe limites ou parâmetros para a atuação das Polícias, nem estabeleceu a força de tais recomendações e possíveis respostas ao seu descumprimento.

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Em meio à propagação de pânico e de reformulação de hábitos, é importante que os critérios da atuação dos poderes de segurança pública sejam estabelecidos e também controlados, devendo haver um protocolo de conduta por parte desses agentes.

A atuação do Estado pelas mãos da Polícia Militar, como sugeriu o governador, se colocada em ação, deve ser estabelecida previamente, com medidas cíveis, como a imposição de multa em relação a aglomerações em locais de alto índice de contaminação, que devem ser claramente enumerados.

Na Espanha, por exemplo, houve a imposição de multa, que varia de quinhentos a dois mil euros, para quem infrinja a lei de restrição. Salienta-se que, no caso do Rio de Janeiro, a implementação de multa deve vir acompanhada da compreensão das desigualdades da população, de forma que não se elitize a liberdade de ir e vir.

Em Portugal, entretanto, a medida tomou contornos criminais, uma vez que o governo determinou medidas, como limitar o número de pessoas em estabelecimentos comerciais, que, se desobedecidas, podem configurar o crime de desobediência.

No Brasil, também há o crime de desobediência (artigo 330 do Código Penal), com a previsão de pena de 15 dias a 6 meses, mais multa, a quem desobedecer a ordem legal de funcionário público, mas não podemos incidir no erro de sempre: criminalizar problemas sociais.

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Nesse sentido, embora o crime de desobediência tenha parâmetros que permitem, por exemplo, a suspensão condicional do processo (instituto que permite a imposição de condições não privativas de liberdade), é importante que utilizemos medidas extrapenais, afinal, no terceiro país que mais encarcera no mundo, como o Brasil, o sistema penal deve ser a ultima ratio, ou seja, o último a ser instado a responder a qualquer problema.

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Importa destacar que ainda que as violações fossem de medidas sanitárias diretas e claras, a utilização do direito penal traria resultados desastrosos, levando para dentro do sistema penitenciário potenciais vetores de contaminação que afetariam não apenas aqueles ali cumprindo penas, mas também aqueles que ali trabalham ou prestam serviços.

Cada local tem seus hábitos e seus costumes, e este Estado, conhecedor das nuances fluminenses, pode atuar para evitar aglomerações, mas deve, antes,  definir os critérios e os limites de medidas cíveis, frise-se, cumprindo seu dever de proteção à segurança jurídica, para que a população não seja atingida nem pela propagação do coronavírus nem por eventual truculência arbitrária do Estado.

*Thaís Pinhata, advogada criminalista, mestre em Direito pela Universidade de São Paulo. Doutoranda em Direito pela Universidade de São Paulo; Raquel Rosa, advogada criminalista e mestre em Direito pelo UFRJ. Coordenadoras do Projeto de Extensão Mulheres Encarceradas (FD/UFRJ)

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