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Santo Ivo, uma vida dedicada à fé e ao Direito

Padroeiro dos Advogados – dia 19 de maio

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Por Umberto Luiz Borges D\'Urso
Atualização:

Umberto Luiz Borges D'Urso. FOTO: ARQUIVO PESSOAL Foto: Estadão

"Jura-me que sua causa é justa e eu a defenderei gratuitamente". Santo Ivo de Kemartin, o patrono dos advogados, nasceu na Bretanha, França, em 1253, dentro de uma família de nobres, em plena Idade Média, quando a igreja católica se tornou uma instituição forte e poderosa e a Europa se transformava, passando de uma sociedade rural para urbana, com o surgimento, no século XIII, das primeiras universidades e a retomada do comércio, sob o domínio do sistema feudal.

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Nesse sistema, terras agrícolas eram concedidas por um suserano, o dono da terra, ao seu vassalo, em troca de fidelidade e ajuda militar. Os senhores feudais controlavam os feudos e a mão de obra era servil. Os servos tinham de pagar impostos e trabalhar para os senhores feudais e para o clero.

Durante um certo período da Idade Média, a fome assolou o continente europeu, devido à escassez de alimentos provocada pela queda na produção agrícola. Mas o pior daquela época foi, sem dúvida, a peste negra, doença que matou, estima-se entre 75 e 200 milhões, e espalhou-se rapidamente pela Europa. Vinda do Oriente, a peste alastrou-se devido à falta de higiene. Com o alto número de mortos, a mão de obra para o trabalho no campo começou a faltar. Os poucos trabalhadores que ainda estavam nos feudos viram afazeres aumentarem. Isso gerou uma revolta que abalou a estrutura feudal. Além da fome e da peste, as guerras entre os reinos europeus e as revoltas dos trabalhadores agitaram o final da Idade Média.

Em meio a toda a efervescência da Idade Média, Santo Ivo dedicou-se ao Direito e à Igreja. Estudou com os maiores mestres da Teologia e do Direito Canônico. Entre seus educadores, estavam Santo Tomás de Aquino e São Bartolomeu. Além do estudo das Escrituras, Santo Ivo dedicou-se também ao Direito Civil, em Orleans, com o jurista Peter de la Chapelle, em 1277.

Com a influência de São Bartolomeu, passou a fazer parte da Ordem de São Francisco de Assis, assumindo os princípios do instituto religioso, como misericórdia, justiça, compaixão, caridade, fraternidade, entendendo que deve ser uma pessoa que promove a paz, entende o Humano como sagrado e está aberto ao diálogo inter-religioso, sem discriminação e preconceito.

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Essa mudança fez com que doasse toda a sua fortuna para os pobres e passasse as noites em vigília, estudando as orações. Costumeiramente saía a procura dos mais necessitados para orientar, pregar e até ajudar com dinheiro.

Foi conselheiro jurídico e juiz eclesiástico, trabalhando como juiz episcopal em 1280, na arquidiocese de Rennes, cidade capital do Ducado da Bretanha, durante quatro anos. Depois, retornou a sua cidade natal, Tréguier. Julgava todo tipo de litígio, contratos, heranças, casos matrimoniais, menos os processos criminais.

Em 1284, foi ordenado sacerdote, mas continuava a trabalhar como advogado e juiz, multiplicando suas atividades, pois naquele tempo ainda eram permitidos vários afazeres para o sacerdote.

Seu desprendimento ao dinheiro e bens fez com que Santo Ivo transformasse o palácio de seus pais em hospital e asilo para crianças e idosos abandonados. Montou um escritório para atender aos desamparados. Com essa atitude, recebeu o título de Advogado e Protetor dos Pobres e é considerado patrono também dos Defensores Públicos, além de estudantes de Direito, funcionários da Justiça, procuradores e profissionais que se relacionam com a Justiça.

Como juiz, Santo Ivo tornou-se admirado  até pela parte vencida. Nunca aceitava presentes e sempre buscava a conciliação como solução dos conflitos. É dele a máxima: "é melhor um acordo razoável do que uma boa briga".

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Em 1287, renunciou a todos os cargos oficiais, devotando todo o seu tempo aos paroquianos, como sacerdote e advogado.

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Mas Santo Ivo não se destacou apenas por sua fraternidade, caridade e compaixão. Sobressaíram-se, também, suas inéditas, inteligentes e habilidosas atuações nas defesas, enquanto advogado, sempre em prol dos mais pobres e oprimidos. É do Santo a frase: "jura-me que sua causa é justa e eu a defenderei gratuitamente".

Além de ilibado juiz, era considerado o melhor mediador da França, conseguindo sempre acordos para minimizar os custos para ambas as partes. Por seus conhecimentos do Direito e sua inteligência, era constantemente chamado para arbitrar as mais variadas disputas.

São várias as histórias que contam sobre Santo Ivo, tanto sobre sua vida austera quanto a respeito de suas brilhantes defesas nos tribunais. Em uma delas, contam que ele doou sua capa a um necessitado, seu paletó para outro e um terceiro recebeu seus sapatos. Voltou para casa só de camisa e calça em pleno inverno europeu.

Dos tribunais vem outra história. Um homem rico e poderoso acusou um pobre e humilde vizinho de beneficiar-se dos odores de sua cozinha, pois o homem ficava à janela aspirando o cheiro da comida vindo de sua casa. Para defender seu cliente, logicamente o homem pobre, Santo Ivo pegou várias moedas de ouro e prata e as exibiu para a corte, principalmente para o acusador e disse "Este homem aspirou o odor de teus alimentos! Pois paga com o tinido destas moedas! O som puro paga o bom odor!".

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Santo Ivo morreu de causas naturais em 19 de maio de 1303, aos 50 anos. Seu corpo foi sepultado na Catedral de Tréguier, sua cidade natal.

Em 1347, bispos e autoridades civis pediram sua canonização. Após processo de investigação conduzido pelo Vaticano, o Papa Clemente VI, com a solene Bula de 19 de maio de 1347, assinada em Avignon, proclama Ivo inscrito no catálogo dos Santos e confessores, sendo venerado como Santo da Igreja Católica. Sua festa ocorre, anualmente, no dia 19 de maio.

A sua imagem é representada com uma bolsa na mão direita, pelo dinheiro que ofertou aos pobres, e um papel na outra, pelo ofício de advogado ou, então, o Santo entre um homem rico e um pobre.

No Brasil, existe uma relíquia de Santo Ivo, doada pelo Bispo de Saint-Brieuc, em Tréguier, para o Bispo de Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Ela está na capela em honra ao Santo, na cripta do Santuário da Medianeira de todas as Graças, com o altar inaugurado em 19 de maio de 1986, local de peregrinação de muitos fiéis e de muitos advogados do Brasil.

Em São Paulo, a Igreja de Santo Ivo fica no Largo da Batalha, no bairro do Ibirapuera, e foi construída pelos padres agostinianos, financiada pelas famílias de advogados residentes no bairro. Ali se guarda uma relíquia histórica: um pedaço do osso do santo, recém-chegado da França.

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A criação da Instituição dos Advogados dos Pobres, como a Defensoria Pública dos dias atuais, foi inspiração de Santo Ivo, que sempre defendeu as causas dos pobres, viúvas e menos favorecidos. Por isso, em vários países, na data de seu falecimento, comemora-se o dia da Defensoria Pública.

*Umberto Luiz Borges D'Urso, advogado criminal, mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Mackenzie, pós-graduação "Lato Sensu" em Direito Penal pela UNI-FMU, pós-graduação "Lato Sensu" em Processo Penal pela UNI-FMU, pós-graduação em Direito pela Universidade de Castilla-La Mancha-Espanha, conselheiro efetivo secional e diretor de Cultura e Eventos da OAB/SP nas gestões de 2004/2018, presidente do Conselho Penitenciário do Estado de São Paulo por quatro gestões, membro do Conselho Estadual de Política Criminal e Penitenciária da Secretaria da Administração Penitenciária do Estado de São Paulo, membro do Comitê Gestor da SAP, presidente de honra da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas - Regional São Paulo, ABRACRIM e autor de vários artigos. Recebeu várias honrarias, dentre elas a Medalha Ruth Cardoso, outorgada pelo Conselho Estadual da Condição Feminina

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