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Sanha arrecadatória coloca IPTU no topo do ranking de processos

Por Rodrigo Antonio Dias
Atualização:

Rodrigo Antonio Dias. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Um dos principais argumentos de quem defende uma reforma tributária ampla é que há um gigantesco contencioso decorrente da complexa sistemática tributária brasileira. Faz sentido. Dados levantados recentemente demonstram que já superamos 75% do PIB envolvido em disputas judiciais tributárias. Em fevereiro deste ano, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em parceria com o Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa), elaborou um relatório com o Diagnóstico do Contencioso Judicial Brasileiro[1].

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O relatório traz mais de 300 páginas com informações detalhadas sobre as disputas fiscais e responde a uma pergunta crucial: qual o percentual de processos judiciais por tributo?

Para quem imaginou que no topo do ranking estariam as discussões relacionadas a ICMS, PIS e COFINS ou IRPJ, surpreende-se ao saber que o campeão de processos judiciais no Brasil é o IPTU.

Os levantamentos feitos e apresentados no relatório atestam que, considerando as informações divulgadas nos diários oficiais, cerca de 25% dos processos judiciais envolvendo Direito Tributário dizem respeito ao IPTU.

Considerando a base de dados do DataJud (sistema de pesquisa disponibilizado pelo CNJ), o IPTU representa cerca de 62% dos processos judiciais. Ou seja, cerca 3 em cada 5 processos judiciais tributários referem-se a este imposto cobrado por municípios.

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Por causa da limitação de escopo do estudo, o relatório não traz uma conclusão definitiva sobre o motivo da recorrência tão grande de processos relativos a IPTU. Mas lança uma hipótese: "o alto índice de ocorrências do IPTU no contencioso judicial pode ser explicado pela ampla base de contribuintes (pessoas jurídicas e físicas), situação potencializada pela característica de os lançamentos serem realizados por imóvel e não contra o sujeito passivo do imposto (proprietário, titular do domínio útil ou possuidor do imóvel)".

É possível notar que boa parte do contencioso é resultado da má aplicação da legislação municipal e um sistema que visa atender muito mais a sanha arrecadatória dos cofres públicos do que os interesses dos contribuintes.

Exemplo disso é o fato de algumas prefeituras realizarem lançamentos retroativos de IPTU para cobrança de diferenças de áreas anos após o contribuinte ter prestado todas as informações para a prefeitura. Além de afrontar entendimento pacificado no Tribunal de Justiça de São Paulo, a prática demonstra que o sistema de cobrança de algumas prefeituras não consegue processar dados eletronicamente fornecidos pelos contribuintes, gerando um total sentimento de insegurança jurídica.

Outra prática perversa é a cobrança de IPTU Predial sobre a chamada área maior em casos de condomínios edilícios, em especial, os de baixa renda. Sob pretexto de atualização cadastral, algumas prefeituras exigem que os contribuintes apresentem, antes da concessão do Habite-se, um documento de conclusão de obra.

Com base neste documento, o município realiza a cobrança de IPTU considerando a metragem e valor do prédio todo, entre a data de conclusão da obra, informada no documento de atualização cadastral, e a instituição do condomínio. Ocorre que, muitas vezes, esse valor é bem superior ao valor da soma dos IPTUs individuais das unidades -- não custa lembrar que, no caso de habitações de baixa renda, é possível haver isenção do tributo para unidades individualizadas. É como se a prefeitura não reconhecesse que naquele prédio há unidades individuais de habitação, permitindo a cobrança de IPTU sobre imóveis de contribuintes que teriam, pela lei, direito a isenção.

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Além disso, são inúmeros os casos em que a administração municipal aplica critérios de cobrança que extrapolam os limites legais, como: redução do chamado fator de obsolescência pelo simples fato do contribuinte ter realizado uma pintura de fachada; cobrança de IPTU sobre estruturas não permanentes (os chamados girais); incremento de área construída por conta de rampas de acesso ou em áreas técnicas; entre outras aberrações com intuito exclusivo arrecadatório.

A consequência disso é a cobrança indevida de IPTU, muitas vezes de famílias com direito a isenção do tributo, além do aumento do número já exorbitante de ações judiciais. Em ano de Copa, já temos um campeão de ilegalidades: o IPTU.

*Rodrigo Antonio Dias é sócio fundador do VBD Advogados 

[1] https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2022/02/relatorio-contencioso-tributario-final-v10-2.pdf

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