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Sanções, corrupção e oligarquia russa: não mais compras em #Paris? 

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Por Ligia Maura Costa
Atualização:
Ligia Maura Costa. FOTO: INAC/DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A crise entre a Rússia e os países ocidentais indica um delicado cenário geopolítico. A resposta dos EUA, União Europeia e Reino Unido à invasão da Rússia à Ucrânia se faz com sanções econômicas e financeiras. Tradicionalmente, as sanções não são capazes de atingir seus objetivos. A economia russa pagará um preço alto com as sanções, mas as consequências ainda levarão alguns anos para serem visíveis para a população. As sanções ainda não conseguiram tornar o regime de Putin vulnerável. Ninguém acredita que as sanções impedirão Putin de fazer o que pretende fazer com a Ucrânia. Mas, a manutenção das sanções pode abalar sua relação com os oligarcas que lhe dão suporte. O exercício ininterrupto do poder de Putin, há mais de duas décadas, tem o apoio de terceiros, os oligarcas, essenciais ao regime. Eles comandam empresas e organizações e dão apoio público ao regime. Mas, quanto poder essas personalidades exercem, de fato, sobre Putin?

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Quem nunca ouviu falar dos iates dos oligarcas russos? De suas mansões nos lugares mais espetaculares do mundo? De seus clubes de futebol? Mal haviam sido anunciadas as sanções, impactando a riqueza dos oligarcas, que protestos dos envolvidos começaram a aparecer. O industrial bilionário Oleg Deripaska e o fundador do maior banco privado Mikhail Fridman pediram a Putin o fim da guerra. O dono do Chelsea, Abramovich, com receio das sanções, escondeu em águas turcas seus dois iates, o Solaris e o Eclipse, este último considerado o iate mais seguro do mundo, com defesa antimísseis, vidros blindados e dois helipontos. Além disso, colocou à venda o Chelsea, seu clube de futebol britânico e vencedor do último campeonato do Mundial de Clubes em Abu Dhabi. Detalhe, prometeu doar os lucros da venda do clube às vítimas ucranianas. As elites russas foram rápidas em recolher seus caros brinquedinhos no exterior, assim que anunciadas as sanções.

O estilo luxuoso de vida dos oligarcas russos indica que eles estão vulneráveis a essa forma de pressão externa #NãoMaisComprasEmParis, #NãoMaisFestasEmIbiza! #NãoMaisSkiEmSaintMoritz. O que é um oligarca sem ostentação? Não só eles gostam de ser ricos, mas precisam ser vistos e reconhecidos como tal. Se Fridman, Deripaska e Abramovich reclamam pelo fim da guerra, parece que as sanções já estão atingindo a elite russa. Essas reclamações, porém, ainda não convencerem Putin a interromper a invasão, mas já serviram como indicador de como os países ocidentais podem enfrentar o mecanismo cleptocrático, que aliás permitiu a Putin acumular tanto poder e por tanto tempo.

Os oligarcas russos "escondem" seus recursos no exterior em estruturas offshores nos paraísos fiscais. Mas como essa elite conseguiu adquirir bens imóveis e outros ativos de luxo, em lugares como Nova York e Londres, por tanto tempo, sem serem incomodados por regras de compliance, FCPA, UK Bribery Act ou KYC (Know Your Customer)? A resposta dos países ocidentais, além da imposição de sanções direcionadas aos oligarcas, deve tratar, também, a nível global da reforma do sistema de controle que facilitou o fluxo dos recursos ilícitos, de dinheiro sujo.

Os oligarcas russos são hors concours em corrupção e lavagem de dinheiro, mas não são os únicos com recursos ilícitos em estruturas offshore nos paraísos fiscais. Por décadas os países ocidentais negligenciaram o controle dessas estruturas e permitiram que corruptos escondessem recursos ilícitos. Eles foram complacentes, no mínimo. A tragédia na Ucrânia, talvez, tenha os alertado sobre a magnitude do problema. Mas, não será fácil ir atrás dos recursos dos oligarcas russos, muito bem escondidos em estruturas offshores.

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Localizar, identificar e congelar os ativos ilícitos dos oligarcas russos é o calcanhar de Aquiles do governo de Putin. Se países ocidentais explorarem essa vulnerabilidade, é possível abalar a estabilidade do regime de Putin. Concomitantemente, serão abaladas as bases do crime organizado, como quando da queda das Torres Gêmeas. É necessária a união de forças da comunidade internacional para a recuperação de ativos no exterior e a redução da livre movimentação de recursos dos oligarcas que cercam Putin e que, indiretamente, permitem sua permanência no poder. Recentemente, a administração do presidente Biden anunciou a criação de uma força tarefa transatlântica, KleptoCapture (CleptoCaptura, em português), para assegurar a implementação de sanções financeiras, através da identificação e do congelamento dos ativos de empresas e indivíduos. Nessa "guerra financeira" é necessária a transparência na aquisição de bens imobiliários e nas participações societárias, além da obrigatoriedade de uma due diligence para a triagem dos clientes, identificação da origem dos ativos e comunicação às autoridades de atividades suspeitas.

Só quando forem congelados os ativos ilícitos russos no exterior é que as sanções atingirão o governo Putin. Os países ocidentais terão coragem de usar essa poderosa arma financeira? A invasão da Ucrânia será suficiente para persuadi-los a fazê-lo? O mundo consegue enfrentar a esse desafio? Essas são as questões que valem 20 trilhões de dólares! E, que descobriremos nos próximos meses.

*Ligia Maura Costa, professora titular na FGV EAESP, coordenadora do FGVethics, presidente da comissão permanente de Governança e Integridade da OAB-SP, advogada

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção

Esta série é uma parceria entre o blog e o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Acesse aqui todos os artigos, que têm publicação periódica

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