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Ruy Ohtake (1938-2021)

Por José Renato Nalini
Atualização:
Ruy Ohtake. FOTO: EPITÁCIO PESSOA/ESTADÃO Foto: Estadão

O mundo inteiro, que já reverenciava suas obras, lamentará a morte de Ruy Ohtake. Um artista visionário, que se destacou como produtor de obras singulares, com presença marcante na arrojada criatividade.

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Sobre os inúmeros ângulos propiciadores de análise de sua arquitetura dissertarão os experts. Minha tristeza provém de um contato fraterno muito recente. Quando faleceu Benedito Lima Toledo, historiador e também arquiteto, a Academia Paulista de Letras pensou em alguém à altura para sucedê-lo. Imediatamente a simpatia dos acadêmicos recaiu sobre a figura excelsa de Ruy Ohtake.

Consultado, mostrou-se entusiasta da ideia e submeteu-se ao ritual da auto-apresentação a todos os trinta e nove eleitores. Assim que eleito, participou de todas as sessões da Academia, agora virtuais, em razão da pandemia.

Era um dos primeiros a ingressar na reunião digital, interessado pelas mensagens semanais e pronto a colaborar com as iniciativas dessa Casa de Cultura por excelência de São Paulo, que desde 1909 funciona de forma ininterrupta.

Propôs-me realizar um substancioso estudo sobre o Rio Tietê, a cujas vicissitudes se devotava desde os bancos escolares. Afinal, foi o idealizador do Parque Ecológico, sinal de que nem tudo estava perdido para o grande curso d'água que convenceu os jesuítas a escolherem o planalto para a edificação de seu colégio.

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Sabia detalhes sobre a origem do Tietê, em Salesópolis, conhecia cada ponto nevrálgico, tinha todas as propostas já bem sedimentadas. Eu ficaria com a parte jurídica e ele com o mais importante: como resgatar a vida, para que o Tietê voltasse a exercer o papel correspondente ao Sena, em Paris, o Tâmisa em Londres, o Tibre em Roma, o Danúbio em Copenhague

Todas as semanas comentava o andamento de seu trabalho e o projeto era terminá-lo ainda em 2021. Ambientalista devotado, não se conformava com o tratamento que a natureza brasileira está a receber das altas esferas. Sereno e ponderado, ao mencionar a tragédia do Tietê e de outros leitos fluviais desta insensatez chamada São Paulo, chegava a exaltar-se e evidenciava sua indignação.

Incrível como um homem com a estatura de Ruy Ohtake, de prestígio internacional, participava das discussões às quintas-feiras com humilde simpatia. Interessava-se por outros temas, aplaudia ideias que talvez não estivessem contempladas em seus amplos horizontes, foi um acadêmico fervoroso. O que não é a regra. Muitos são os que pleiteiam o beneplácito dos responsáveis por prover a Casa do Arouche de integrantes que completassem o cenário de quarenta Cadeiras e depois se desinteressam.

Ruy Ohtake envolveu-se nos destinos da Academia Paulista de Letras. Contribuiu com ideias geniais, como todas aquelas que provieram de sua esplendorosa inteligência. Levou a sério a condição de cultor da última flor do Lácio, participou de todas as eleições subsequentes à sua. Queria conhecer currículo, indagava a respeito de outras peculiaridades, fez por merecer a brevíssima permanência no Silogeu bandeirante.

Era saborosa a sua fala sobre uma arquitetura para as pessoas, da qual é emblemática a solução encontrada para Heliópolis. Repetia que não há arquitetura para rico ou para pobre. O que existe e deve continuar a existir, é arquitetura boa.

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A Academia Paulista de Letras que estava em vias de se completar, com a eleição de mais um membro para suceder a Célio Debes, quando se vê novamente desfalcada, agora com a dolorosa partida de Ruy Ohtake. Cumpriu, rigorosamente, os seus deveres acadêmicos. Votou para uma eleição em curso, cujo resultado se proclamará no dia 9 de dezembro. Uma semana depois da sessão das saudades dedicada à memória de Ruy Ohtake.

Memória que permanecerá ad infinitum, pois essa a vocação das Academias. A imortalidade consiste em reverenciar os antecessores. Esse o dever de quem adentra à Casa de Letras do Largo do Arouche. Ninguém se esquecerá de Ruy Ohtake, um dos nossos mais gentis, polidos, cavalheirescos e amáveis dos que já passaram por aqui. Quanto à dimensão de seus incontáveis méritos, a História fará justiça a esse notável primogênito de Tomie.

*José Renato Nalini é reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e presidente da Academia Paulista de Letras - 2021-2022

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