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Rumo à final da disputa sobre dados pessoais

Por Marcela Mattiuzzo e Paula Pedigoni
Atualização:
Marcela Mattiuzzo e Paula Pedigoni. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A investigação do Ministério Público sobre um suposto esquema de venda de dados pessoais de brasileiros a outros órgãos da Administração Pública pelo Serviço Federal de Processamento de Dados - Serpro, o qual negou as acusações e disse que não comercializa dados do governo, mas os "disponibiliza via serviço", é a mais recente de uma longa lista de acusações feitas contra o governo a respeito de uso e coleta irregulares de dados de cidadãos pelo setor público, que conta também com casos como o de venda da base de informações do SPTrans - parte do pacote de privatização do então prefeito de São Paulo João Doria - e o uso de câmeras de reconhecimento facial na linha 4 do Metrô da capital paulista para monitorar a reação dos usuários à propaganda veiculada nas estações.

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Se a preocupação gerada por casos como Equifax, Cambridge Analytica e outros ressalta o aspecto privado da discussão, não podemos esquecer que um dos maiores detentores de dados é precisamente o governo. No cenário internacional, a inquietação com o uso das informações pela administração pública se apresentou com força depois das notícias de que as bases de dados do governo chinês sobre seus cidadãos estariam a venda por preços módicos. No Brasil, para além da discussão em casos concretos, o que está em jogo é o projeto de lei geral de dados pessoais.

Especula-se que o PLS 330/2013, que teve origem no Senado Federal - e agora disputa espaço com o PLC advindo da Câmara, 53/2018 - tenha sido alvo de pressão do próprio governo, para que seu relator na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), Ricardo Ferraço, encaminhasse uma redação substitutiva que excluiria o setor público da seara de aplicação da lei. Depois de manifestações críticas de diversos especialistas, o governo recuou, mas a questão permanece: se aprovada a lei, quais serão os parâmetros de atuação a que estará submetida a Administração?

O texto aprovado na Câmara é um avanço nesse sentido. Ele estende a sua aplicação para pessoas jurídicas de direito público, equalizando as obrigações destas com aquelas de direito privado. A única exceção seria para o tratamento de dados pessoais para fins exclusivos de segurança pública, de defesa nacional, de segurança do Estado ou de atividades de investigação e repressão de infrações penais. Mesmo nesses casos, entretanto, deverão ser observados os princípios gerais de proteção previstos na lei.

A discussão é essencial para que pensemos na política pública de dados pessoais brasileira e, consequentemente, na estrutura administrativa que permitirá sua aplicação. Um dos pontos a ser debatido pelo Senado diz respeito à proposta de criação de uma autoridade geral de dados - que na atual redação seria constituída no regime de autarquia especial, vinculada ao Ministério da Justiça. Essa forma de constituição, já adotada para outras entidades cuja função é aplicar de forma transversal uma política pública, como é o caso do Conselho Administrativo de Defesa Econômica, é não só desejável, como necessária. É preciso garantir um mínimo de autonomia para a autoridade, autonomia essa que, no contexto de vinculação estrita a um ministério, na forma por exemplo de uma secretaria, ficaria altamente prejudicada.

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A questão se torna ainda mais relevante se voltamos à problemática da submissão do próprio poder público às normas de proteção de dados. Como poderia uma secretaria subordinada a um ministério aplicar uma política transversal, que submeteria outros órgãos de governo a condutas determinadas?Qual seria a independência efetiva dessa autoridade para levar a cabo suas funções?

A bola está no Senado Federal. Com a aprovação do texto do PLC 53/2018 na CAE nesta terça-feira e seu encaminhamento ao plenário, nós, da torcida, titulares dos dados pessoais que serão tratados, devemos escolher um time. Mais do que isso, devemos cobrar a atuação dos nossos representantes em campo.

*Marcela Mattiuzzo, mestranda em Direito pela USP, pesquisadora visitante na Yale Law School e ex-chefe de gabinete da Presidência do Cade

*Paula Pedigoni, graduanda em Direito pela Universidade de São Paulo e participante do grupo de pesquisa Direito, Incerteza e Tecnologia (DIT) da USP

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