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Rompimento de barragens está se transformando em deprimente rotina brasileira

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Por Lucas Tatibano
Atualização:
Lucas Tatibano. FOTO: HELOÍSA YAMASHIRO Foto: Estadão

Segundo consta nos livros de história do Brasil, as nossas primeiras barragens foram construídas no início do século 17, essencialmente para atender a necessidade de reserva de água em locais com extensos períodos de estiagem, principalmente na região nordeste do País.

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Desde essa época, até os dias atuais, muitas outras barragens foram construídas no Brasil, para os mais diversos usos (contenção de rejeitos de mineração, geração de energia hidrelétrica, contenção de resíduos industriais e usos múltiplos, segundo critérios da Resolução CNRH n.º 143/2012), de forma que alcançamos em 2017, ano da última contagem, um total de 24 mil barragens (conforme Relatório da Agência Nacional de Águas - ANA).

Mesmo de posse desse relevante contexto histórico, e conhecedores desses números expressivos levantados pela ANA, as barragens passaram a frequentar o noticiário nacional em 2015, com o rompimento da Barragem do Fundão em Mariana (MG), de resultando numa catástrofe humana e ambiental sem precedentes.

Neste ano de 2019, nova tragédia com o rompimento da Barragem de Brumadinho (MG), em janeiro deste ano. Ambas as tragédias têm em comum um mesmo protagonista: a Vale, que até o presente momento pouco fez em favor das vítimas em matéria de indenizações. Nos meses seguintes, o assunto manteve-se "quente" já que passaram a ser comuns diversas evacuações de vilarejos existentes próximos a algumas barragens de rejeitos condenadas, principalmente no estado de Minas Gerais.

Presentemente, nesse início do mês de julho, mais uma história terrível em razão do rompimento de diversas barragens de água no estado da Bahia, envolvendo principalmente os municípios de Pedro Alexandre e Coronel João Sá.

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Diferentemente das barragens de rejeitos, que devem atender aos requisitos da legislação nacional e do órgão regulador na fase de projeto, de construção e de operação, as barragens de água que possuem menor volume de reservação, não são abrangidas pelas políticas e regulamentações de segurança vigentes, resultando numa fiscalização inepta dos agentes públicos e privados, eventuais responsáveis.

Analisando essas barragens que se romperam no estado da Bahia, notamos a não existência dos componentes básicos de segurança preconizados pela legislação e pela boa prática da engenharia, nos permitindo desconfiar que o projeto e a construção foram feitos de forma precária, enquanto a fiscalização tão necessária, nunca foi realizada.

Segundo informações divulgadas até o momento, o governo do Estado da Bahia e as prefeituras municipais envolvidas estão tentando se isentar de culpa. No entanto ainda não apresentaram os dados/documentos técnicos e os relatórios de fiscalização das estruturas que colapsaram, permitindo-nos desconfiar que esse material simplesmente não existe.

As barragens de água, como essas que romperam, são geralmente construídas pelo método de terra compactada, envolvendo a realização inicial de uma limpeza geral do terreno ao longo de toda a área de construção da estrutura (barragem), seguida da escavação de vala na profundidade necessária para a construção da fundação da barragem, necessariamente sobre um solo resistente. Consecutivamente são executados os serviços de elevação do corpo da barragem através da construção de camadas sucessivas de terra compactada, até alcançar a cota de topo (crista) projetada.

No caso da construção de barragens de água sem o devido controle dos projetos, das especificações técnicas e dos processos construtivos, conforme determinam as boas práticas de engenharia, tais estruturas podem não possuir a resistência mínima necessária para comportar eventos anormais, como pudemos constatar após o recente acontecimento das fortes chuvas na região, resultando no rompimento de diversas barragens públicas e privadas na bacia do Rio do Peixe.

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Neste momento, os agentes públicos municipais, estaduais e federais, estão repassando a responsabilidade do rompimento das barragens e, consequentemente, da inundação dos vilarejos e das cidades localizadas no curso do Rio do Peixe, para as casualidades da natureza, visto que as recentes chuvas aconteceram em quantidades nunca antes registradas.

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Contudo, sabemos que o melhor discurso para os agentes públicos deveria indicar que acidentes acontecem, porém sempre podem ser prevenidos.

Quanto ao recente rompimento das barragens de água no estado da Bahia, devemos levar em consideração que, se tais estruturas possuíssem todos os dispositivos exigidos pelas normas técnicas, os rompimentos poderiam ser evitados.

Entre esses dispositivos exigidos, destacamos o canal extravasor, que deve ser construído em concreto armado, permitindo o deságue da água excedente da barragem de forma correta, sempre que o nível do reservatório subir acima do permitido. Com a mesma importância do extravasor, também destacamos o sistema de drenagem interno do maciço (corpo da barragem), e o sistema de dreno de pé e de proteção da base da barragem na sua face à jusante, ou seja, na face voltada para fora do reservatório de água.

Os dados divulgados até o momento nos permitiram notar que as barragens rompidas não possuíam todos os dispositivos de segurança que seriam essenciais para garantir a solidez das estruturas, principalmente no caso do excesso de volume de água, como ocorreu. Quase todas essas barragens não dispunham de sistema de extravasão (ou possuíam sistema de extravasão precário), não dispunham de sistema de drenagem adequado, e principalmente, não dispunham dos serviços de manutenção e controle das estruturas construídas.

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Ao levarmos em conta todas as informações divulgadas até o presente momento, fica muito difícil ignorar a culpa os agentes públicos que deveriam ser responsáveis por vistoriar e certificar a segurança de todas as barragens nos seus respectivos municípios, inclusive as barragens de pequeno porte que não se enquadrem na Política Nacional de Segurança de Barragens.

Essas barragens recentemente colapsadas na Bahia nos alertam sobre um grande risco, ainda que estejamos falando sobre estruturas de menor porte. Isso porque em geral elas podem estar localizadas numa mesma bacia hidrográfica. E, quando uma dessas estruturas se rompe, o risco de um dramático efeito dominó não pode ser desprezado. Faz-se urgente, portanto, que os órgãos competentes façam jus ao adjetivo e intensifiquem a fiscalização e ações para prevenir novas tragédias para as populações vizinhas a essas construções.

*Lucas Tatibano é arquiteto e sócio da Tequipe Engenharia

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