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Robin Hood às avessas

Por Will Bueno
Atualização:
Will Bueno. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O governo federal tem comemorado o excelente desempenho das concessões aeroportuárias. Há diversas razões para isso: a capacidade e a qualidade da infraestrutura aeroportuária deram saltos notórios nos últimos anos. Dentre os vários exemplos de sucesso, destacam-se o aeroporto de Brasília, pela expansão da capacidade, e mais recentemente, o de Florianópolis, pela agilidade na construção e entrega de um aeroporto à altura do potencial econômico e turístico da região.

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Entretanto, esta melhoria -- ainda que necessária -- tem se restringido aos aeroportos federais, em geral os grandes aeroportos. Nos aeroportos regionais, em especial aqueles administrados por estados e municípios, o clima está mais para fim de festa -- muitos ainda permanecem em situação precária e estão custando caro aos cofres públicos estaduais e municipais. Os aeroportos de Barretos-SP, Parati-RJ e Divinópolis-MG são apenas alguns exemplos. Só o aeroporto de Divinópolis custa aos cofres do município cerca de R$ 1 milhão ao ano para manter-se operando.  Ou seja, é dinheiro público deixando de atender a necessidades básicas locais, como saúde e educação, para atender à demanda de uma pequena elite econômica. Isso nos faz lembrar de Robin Hood, o herói que roubava dos ricos para dar aos mais pobres. A aviação regional brasileira está reescrevendo esta história, mas de forma invertida.

Há de se culpar os governos locais por isso? Não necessariamente. Todos os aeroportos foram deficitários em seus primeiros anos, isso faz parte do processo de desenvolvimento. Aeroportos como o de Brasília, Guarulhos e Confins, no passado, também tiveram de ser subsidiados para então conseguirem andar com suas próprias pernas. Hoje, esses aeroportos, além de autossuficientes, são também fonte de receita para o Governo. Tal receita vem dos leilões aeroportuários, em que é vencedora a empresa que oferece o maior valor pelo direito de explorar o aeroporto -- "maior valor de outorga" no jargão técnico.

O valor arrecadado com as outorgas é depositado no Fundo Nacional da Aviação Civil (FNAC), que já acumula mais de R$ 34 bilhões, e tem arrecadado em média R$ 6,3 bilhões ao ano nos últimos quatro anos. Estes números mostram que o setor aeroportuário já atingiu maturidade financeira. Ou seja, os recursos do FNAC, por si só, são suficientes para manter o ritmo de expansão dos aeroportos, incluindo a operação e a manutenção de aeroportos menores, em especial aqueles que estão próximos de atingir maturidade financeira. Entretanto, o Governo Federal ainda não encontrou a forma adequada de balancear receitas extras dos aeroportos maiores com as necessidades dos menores, deixando estados e municípios reféns de seus aeroportos.

Uma forma de promover este balanceamento seria por meio do FNAC, mas há um porém! Os recursos do fundo estão restritos, por lei, à realização de obras e não cobrem despesas operacionais e de manutenção. Daí podemos nos perguntar: de que adianta investir na infraestrutura de aeroportos regionais se estados e municípios não têm recursos para mantê-los? Será preciso continuar tirando recursos de áreas essenciais para operá-los? Lamentavelmente, o Governo Federal não tem respostas a estas perguntas, pois ainda não há uma estratégia clara para uso do FNAC. Tal situação deixa estados e municípios vivendo esse eterno dilema sobre o que fazer com seus aeroportos - manter, devolver ou fechar?

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A chave para desatar alguns dos nós atuais do setor aeroportuário -- e de infraestrutura como um todo -- está no uso do FNAC. No caso dos aeroportos, é necessário permitir que as receitas oriundas de aeroportos maiores possam subsidiar, por prazo determinado, não apenas obras, mas também a operação e a manutenção de aeroportos menores. Sob uma ótica mais técnica, é necessário permitir que os recursos do FNAC sejam também utilizados no pagamento de contrapartida pública nas concessões aeroportuárias realizadas por meio de parcerias público-privadas (PPPs), o que torna o FNAC um fundo de PPPs aeroportuárias. Este seria apenas o primeiro passo. Daí em diante, poder-se-ia pensar em novas aplicações para o fundo como, por exemplo, na sua fusão com outros fundos de infraestrutura, para alavancar investimentos em setores ainda carentes como saneamento, rodovias, portos e ferrovias.

Ainda que o FNAC tenha inúmeras formas de ser efetivamente aplicado para o bem-estar da sociedade, há quem defenda sua imediata extinção, com o objetivo de usar os recursos do fundo para cobrir o atual déficit fiscal da União. Embora legítima, tal opção não promove investimentos e mantém estados e municípios reféns de seus aeroportos, prejudicando investimentos em áreas essenciais como saúde e educação. Além disso, sempre é bom lembrar que o atual rombo fiscal advém, em grande parte, dos generosos subsídios empresariais, supersalários do funcionalismo, aposentadorias integrais, privilégios e mordomias. Ou seja, usar o FNAC para cobrir o déficit fiscal em detrimento de investimentos é corroborar com um sistema que privilegia os ricos às custas dos mais pobres. Um Robin Hood às avessas.

*Will Bueno, consultor especialista em infraestrutura. Mestre em Administração Pública pela Universidade de Columbia - NY

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