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Rio de Janeiro: A devastação amazônica pode ser aqui, na Floresta de Camboatá

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Por Sonia Rabello
Atualização:

Em decisão monocrática, no plantão judiciário do STF, "lá de Brasília", o Ministro Toffoli autorizou a realização de audiência pública virtual para apreciar o Estudo de Impacto Ambiental para a construção de um Autódromo no lugar da Floresta de Mata Atlântica - do Camboatá, no bairro de Deodoro, na Zona Oeste do Rio de Janeiro.

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Do ponto de vista puramente jurídico o Ministro Toffoli, ainda como Presidente do STF, poderia fazê-lo. Mas, na prática, a sua decisão individual sugere uma hiperbulia no exercício de uma faculdade judicante excepcional dada ao Presidente do mais alto Tribunal do País.

Esta decisão, dada de um dia para o outro (no dia seguinte de a petição ter dado entrada naquele Tribunal), em nome do Supremo, comprometeu e adiantou uma posição do STF sobre o cabimento de audiências públicas virtuais como suficientes para o licenciamento ambiental ou qualquer outro, e desautorizou duas outras decisões de Tribunal local do Rio - a do Juiz de 1ª instância e a do Tribunal de Justiça do Rio, que tinham decidido em contrário em relação a este pedido.

Não seria o tribunal local o mais apto a apreciar a questão, uma vez que este tema envolve não só um direito, mas também questões fáticas relevantes a serem consideradas?

A realização de audiências públicas virtuais não é uma questão simples de ser resolvida em uma "penada". Há vantagens e desvantagens a considerar. Daí que, para implantar este método novo, virtual, talvez até necessário para melhorar a participação social nas políticas públicas, a solução não está na decisão maniqueísta e simplória do sim ou do não, mas de como, quando, e em que casos e circunstâncias.

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Audiências públicas virtuais foram suscitadas com o advento da pandemia da Covid-19, fazendo com que alguns órgãos públicos editassem normas internas para viabilizá-las. Porém, estamos engatinhando na análise da eficácia da correta participação social através do meio virtual. Será que podemos dizer que somente pelos cliques ou pelo número de acessos de participantes estaremos melhorando a qualidade desta participação?

Afinal, não estamos justamente começando a conhecer melhor os danos dos robôs nas redes? Como poderemos saber quem qualificará os participantes, suas manifestações, interesses, proximidades ou distâncias com o tema que está sendo discutido?

Discutindo a questão das redes, a autora Ana Frazão lembra que há o risco de "ser criado um debate público completamente artificial e distorcido, sem qualquer transparência sobre quem efetivamente participa e a que interesses serve. Cria-se uma falsa arena democrática, em que robôs, embora não votem, pautam as discussões e formam a chamada "opinião pública" com seus posts e likes."

No momento, a prudência é o mais indicado. As urgências na execução de serviços públicos essenciais talvez exijam que alguns processos de licenciamento andem, e que as audiências públicas virtuais sejam autorizadas, ainda em caráter excepcional, cercadas de muitos condicionamentos.

Mas, no caso em questão, o da construção do Autódromo de Deodoro, este não é um serviço público; é um empreendimento particular cercado de controvérsias, e judicializado, no qual o Ministério Público Estadual e Federal entendem que a pretensão é contrária ao interesse público por pretender destruir Mata Atlântica protegida por lei, em um bairro do Rio.

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Por isso, o Desembargador Murilo Kieling do TJ-RJ, ao indeferir a suspensão da liminar que impedia a audiência pública virtual, fundamentou que: "Diante das peculiaridades dos autos e porquanto a prudência nos orienta, uma vez que considero prematuro, nesta fase processual, determinar a concessão da tutela recursal, (...) as razões declinadas pelo ente público Agravante [Município] não demonstram que a imediata e integral produção de efeitos da decisão agravada irá acarretar risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação, e sendo assim, eis que necessária a integração do contraditório e da ampla defesa."

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Mas, o Ministro Toffoli, lá de Brasília, em 24 horas, e sem ouvir o Ministério Público que era a parte litigante, no alto de sua inspiração planaltina, entendeu que a prudência apontada pelo  desembargador Kieling na sua não concessão da suspensão da liminar, "ao impedir a realização, em ambiente virtual, da audiência pública em questão, acarreta sérios riscos à ordem pública e administrativa do município requerente".

Parece evidente que ao usar ao seus poderes excepcionais de suspender a decisão dos magistrados locais, o Ministro Toffoli deu uma decisão muito mais de caráter política do que jurídica, já que os sérios riscos à ordem pública e administrativa do Município não podem ser provados ou comprovados em um projeto econômico privado, em um período onde muitas atividades econômicas pequenas, médias e grandes aguardam o tempo sanitário para reabrirem.

A infeliz decisão do Presidente do STF nos faz repensar e ver que o escândalo do desmatamento na Amazônia não é senão um reflexo de uma cultura geral. A ignorância no qual se funda o escândalo do desmatamento se repete por todo o País, nos restantes fragmentos florestais espalhados pelas cidades. A esperança era de que, no Rio, na Cidade dita Maravilhosa, e culta, fosse diferente. O Ministro Toffoli, em pleno século XXI, ainda pensa diferente. Lamentável, porque este projeto é também um escândalo internacional!

* Sonia Rabello é jurista, professora colaboradora do Lincoln Institute of Land Policy (Mass. EUA) no Programa de Capacitação para América Latina e ex-procuradora geral do Município do Rio de Janeiro

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