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Revolução na infraestrutura passa pelo novo Marco das Ferrovias

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Por Gesner Oliveira
Atualização:
Gesner Oliveira. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O Brasil está às vésperas de uma revolução na infraestrutura e as ferrovias constituem parte fundamental desta mudança. O novo marco do setor que deverá ser votado no Senado nesta semana pode permitir um salto de investimento da ordem de R$ 80 bilhões segundo o Ministério da Infraestrutura.

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Nesta quarta-feira (29), com a votação prevista no Senado do novo marco legal ferroviário (PLS 261/18) de autoria do Senador José Serra (PSDB/SP), o Brasil pode dar mais um passo importante para sanar o gargalo da infraestrutura. A proposta inova ao permitir a construção de ferrovias sob o regime de autorização. O Executivo tomou iniciativa na mesma direção através da MP 1.065/21.

A entrada em vigor da MP 1.065/21 já deu lugar a inúmeros pedidos de autorização para projetos ferroviários, mostrando de forma clara o enorme apetite para investimento no setor mediante o novo marco regulatório. De acordo com o Ministério da Infraestrutura, eram esperados sete pedidos de autorização, com investimentos de R$ 30 bilhões com o novo marco das ferrovias. Entretanto, desde o dia 1º de setembro já foram protocolados 14 pedidos, somando investimentos de R$ 80 bilhões.

A logística é um dos elos mais importantes na cadeia produtiva de qualquer setor e na economia de um país. Dela depende o transporte das diversas matérias-primas que alimentam as cadeias produtivas até fazer chegar os bens finais aos consumidores. Ter uma infraestrutura moderna e eficiente, portanto, é condição essencial para que as empresas brasileiras tenham competitividade e o Brasil seja um país de grande produtividade.

Dentro da matriz logística, o transporte ferroviário ocupa um lugar de destaque. Infelizmente, no entanto, as ferrovias têm baixa participação na matriz de transporte brasileira e carecem de investimentos.

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Segundo dados da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), as ferrovias correspondem a apenas 21% do total, enquanto as rodovias concentram 65% de toda a carga movimentada. A título de comparação, países de dimensão territorial equivalente, como Estados Unidos, Austrália e Canadá, a malha ferroviária representa 44% do transporte de cargas, em média, ilustrando a anomalia da situação brasileira.

Tal desequilíbrio da matriz de transporte deixa o país excessivamente dependente das rodovias para escoar a produção nacional do interior do país para a costa. Um sistema adequado de logística requer mais equilíbrio e complementaridade entre os diversos modais. A dependência de um único modal deixa o país exposto a solavancos, como se viu na greve dos caminhoneiros em 2018.

Os investimentos na malha ferroviária e o aumento do equilíbrio da matriz de transporte contribuirá para a redução do Custo Brasil, estimado em R$ 1,5 trilhão pelo Ministério da Economia, e para o aumento da competitividade da economia brasileira. As ferrovias oferecem transporte de cargas eficiente, seguro e diminuem o nível de perdas durante o trajeto em comparação ao modal rodoviário, diminuindo o peso morto da economia refletido no Custo Brasil.

A melhoria e expansão da malha ferroviária também gera impactos diretos e indiretos em diversos outros setores, com importantes efeitos multiplicadores, contribuindo para a retomada da economia brasileira e gerando aumentos de emprego, renda e arrecadação. Dados da Matriz de Insumo Produto (MIP) do IBGE dão conta de que os investimentos previstos de R$ 80 bilhões em ferrovias geram um crescimento total de R$ 156,92 bilhões na economia. Ou seja, o estímulo total gerado pelas ferrovias quase dobra o investimento inicial.

Por outro lado, o regime de autorização prescinde de licitações. Nele, a empresa entra com o pedido junto ao órgão público responsável (no caso das ferrovias, a ANTT), que então decide se autoriza a exploração daquela atividade. Se houver mais de um interessado e não for possível que todos operem concomitantemente, é realizado um processo seletivo e o poder público decide o(s) vencedor(es).

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Com isso, o processo é mais rápido e barato em relação às concessões, contribuindo para atrair de modo mais eficiente os investimentos de que o país precisa. Adicionalmente, todo o risco é de responsabilidade do agente privado, resguardando os cofres públicos. Vale mencionar que a nova lei não extingue as concessões, somente acrescenta uma nova modalidade de exploração desse setor.

Entre os projetos que poderão ser beneficiados pela mudança está o Plano Estratégico Ferroviário, de Minas Gerais, focado em short lines. As short lines são ferrovias que percorrem distâncias mais curtas (de até 200 Km) e conectam (como linhas alimentadoras) cidades e regiões menores às linhas troncais da rede ferroviária

A melhoria na matriz de transporte com maior peso do setor ferroviário teria impacto positivo sobre o meio ambiente. O Quadro 1 apresenta o consumo de combustível e as emissões de GEEs para os diferentes modais.

 

Algumas empresas que têm metas arrojadas de redução de GEEs têm optado pelo transporte ferroviário, muitas vezes com aumento do custo de transporte, mas visando gerar menores emissões relacionadas aos seus produtos.

O regime de autorização não é inédito no Brasil tendo sido adotado em segmentos tão importantes quanto os de telecomunicações e portos. No caso do setor portuário, o Brasil conta hoje com 142 terminais de uso privado (TUP), explorados mediante autorização, frente a 32 portos organizados, operados mediante concessão. Já no segmento de telecomunicações, em fevereiro deste ano, a Anatel publicou o Regulamento de Adaptação das Concessões do Serviço Telefônico Fixo Comutado para Autorizações, aprovado pela Resolução nº741/2021, permitindo que as atuais concessionárias do serviço de telefonia fixa migrem para o regime de autorização.

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O Brasil há vários anos vem patinando no desafio do desenvolvimento social e econômico, alternando períodos de recessão e baixo crescimento, quadro que foi agravado pela pandemia de Covid-19. No entanto, a revolução que se avizinha na infraestrutura promete ser peça fundamental para a mudança de trilhos, impulsionando o crescimento da economia e o desenvolvimento socioambiental. O novo marco legal das ferrovias é uma das principais alavancas que propiciará destravar os investimentos e gerar o crescimento que desejamos. Portanto, urge aprová-lo, o Brasil precisa.

*Gesner Oliveira, professor da Fundação Getúlio Vargas e coordenador do Centro de Infraestrutura e Soluções Ambientais (CEISA)

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