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Revista pessoal e o Superior Tribunal de Justiça

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Por César Dario Mariano da Silva
Atualização:
César Dario Mariano da Silva. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Enquanto a criminalidade cresce de maneira alarmante, mormente os crimes patrimoniais e o tráfico de drogas, mais o direito penal é flexibilizado e o direito processual penal endurecido, de modo a dificultar sobremaneira a atuação dos órgãos da persecução penal.

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Tem sido uma constante a criação de normas penais e processuais penais, bem como a alteração da jurisprudência nos tribunais superiores a facilitar a vida da bandidagem.

Já escrevi muito sobre isso e basta ler meus artigos acerca deste tema.

Quero falar neste artigo sobre outro assunto controvertido e preocupante, que tem o potencial de colocar em risco o sistema de segurança pública brasileiro: a nova orientação do Superior Tribunal de Justiça acerca da revista pessoal.

Decidiu a Corte que para ser possível a revista pessoal pelas polícias em geral há necessidade de ato concreto que leve o policial a crer que está ocorrendo flagrante delito ou que aquela pessoa traz consigo arma, instrumento ou produto de crime (materialidade)[1].

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A novidade é que não basta mais que o policial deduza em razão de sinais exteriores de que o suspeito se encontre em uma dessas situações e nem que a abordagem decorra de notícia anônima.

Durante décadas, melhor dizendo, desde a entrada em vigor do Código de Processo Penal em 1.940, mesmo após a promulgação da Carta Constitucional de 1.988, para que a polícia possa abordar um suspeito basta que existam fundadas suspeitas de que ele se encontre em flagrante delito ou de que tenha consigo objetos ou papeis que constituam corpo de delito, como droga, arma ilegal, produto roubado, contrafeito ou contrabandeado. É o que dispõe, aliás, o artigo 244 do Código de Processo Penal. Essas fundadas suspeitas podem decorrer de excessivo nervosismo, fuga ao ver a viatura policial, esconder ou lançar algo ao solo e outros sinais corporais que deem a entender que há algo errado. Os policiais são treinados para perceberem esses sinais e a prática do dia a dia melhora ainda mais a percepção deles de que algo está errado e, por isso, justifica-se a abordagem e a revista pessoal.

Outro fato que leva à abordagem e revista é a notícia anônima. Ela, a depender da hipótese, poderá, ou não, ensejar as fundadas suspeitas para autorizar a revista pessoal. O detalhamento e profundidade das informações são aptas a propiciar a justa causa para a abordagem e a revista no suspeito, no seu veículo ou em seus pertences (locais em que não haja necessidade de ordem judicial de busca e apreensão).

Por outro lado, a notícia superficial, vazia e sem nenhuma credibilidade, não legitima a revista pessoal. Nesse caso, mesmo que haja a flagrância delitiva, a prova será inadmissível processualmente (ilícita) e os responsáveis estão sujeitos à punição no âmbito penal, civil e administrativo. Por isso, quando houver notícia anônima, que não traga elementos necessários a legitimar a revista, caberá ao policial diligenciar para a confirmação da veracidade das informações anônimas antes de realizá-la.

Cumpre-me observar, ainda, que para a revista pessoal são exigidas fundadas suspeitas e não fundados indícios ou razões, que são necessários para a busca e apreensão, medida mais invasiva a direitos fundamentais, que depende de ordem judicial, nos termos do artigo 240 do Código de Processo Penal.

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Exigir que o suspeito pratique ato concreto que importe a prática de crime para a realização da revista, como vender droga, estar com produtos suspeitos às mãos ou outra situação que enseje flagrante delito, irá inviabilizar as ações policiais no combate ao crime. Praticamente só será possível a revista pessoal quando o suspeito se encontrar a praticar crime, isto é, em flagrante delito, e tal fato puder ser percebido e visto pelo policial.

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Lembro que no Brasil diariamente há milhares de pessoas traficando drogas, roubando ou furtando, além de outras condutas criminosas, e a única maneira de deter ou prender esses marginais é com a abordagem e revista pessoal durante patrulhamento de rotina.

É inviável instaurar uma investigação preliminar, como defendem alguns operadores do direito, para que possa ser realizada a revista pessoal devido à enormidade de criminosos existentes. Os crimes ocorrem a todo instante e esse tipo de requisito para a revista implicará o aumento da criminalidade, posto que a polícia, notadamente a militar, responsável pela prevenção e repressão ao crime, estará de mãos atadas.

No caso de haver abuso por parte de policiais ao realizarem a abordagem e a revista, que sejam investigados, processados e, se o caso, condenados e punidos.

O que não se faz possível é endurecer de tal modo a interpretação do que sejam fundadas suspeitas a ponto de praticamente impedir a realização de revistas pessoais, importante instrumento para a manutenção da segurança da população em razão da epidemia de crimes que enfrenta o Brasil.

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[1] STJ: RHC nº 158580/BA, 6ª Turma, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, v.u., j. em 19.04.2022.

*César Dario Mariano da Silva, procurador de Justiça - SP. Mestre em Direito das Relações Sociais. Especialista em Direito Penal. Professor universitário. Autor de vários livros, dentre eles Manual de Direito PenalLei de Execução Penal ComentadaProvas IlícitasEstatuto do DesarmamentoLei de Drogas Comentada e Tutela Penal da Intimidade, publicados pela Juruá Editora

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