O retorno às aulas nas escolas brasileiras não será um debate travado apenas no âmbito educacional e sim norteado pelos preceitos científicos advindos das autoridades sanitárias.
Não haverá espaço para ações de retorno que motivem ou distorçam a essência das prescrições da Ciência que se encontram contidas na atual realidade social. A reabertura das escolas deverá ser baseada por uma ética que controle ações que beneficiem o bem-estar dos indivíduos.
Assim, não valerá os conceitos do Utilitarismo de Jeremy Bentham (1748 - 1832), pois a moralidade da ação estará na ação e não na finalidade da ação. O universo escolar é complexo. O seu funcionamento envolve múltiplas situações fundamentadas em aspectos biológicos, psíquicos e sociais. É um microcosmo.
Ações distorcidas da realidade educacional poderão levar à ideia errônea de propagação do senso comum que as escolas funcionam normalmente por meio de aulas remotas. Se estas forem entendidas como Ensino a Distância o engano é maior porque a EaD é uma tecnologia educacional, uma ferramenta que requer tecnicismo, investimento e infraestrutura do Estado para que beneficie todos os estudantes.
E temos? Não certamente. Portanto, é uma ação cuja ética não está nela e sim na finalidade desejável de fazer parecer exequível o retorno precariamente planejado e excludente.
As ações de retorno merecem um debate acurado e análises mais profundas acerca da situação que envolve milhões de pessoas e não apenas aquelas contempladas no Parecer do egrégio Conselho Nacional de Educação (CNE) exarado em abril último, desconectado da realidade social e divorciado da crise econômica que está e estará instalada.
Novamente, pelo Parecer, a moralidade residiu na finalidade de um retorno prematuro às aulas e sem planejamento adequado, que só pode ser explicado por açodamentos externos que visam proteger (apenas) a saúde financeira de sistemas educacionais.
Não é crível que o egrégio Conselho constituído por tantos insignes educacionais desconheça minimamente a conjuntura em que vivemos. Não creio.
A débil infraestrutura de acesso à Internet, a impossibilidade de milhões de famílias em acompanhar os estudos remotos com seus filhos - fruto de fracassos educacionais anteriores, a situação crescente de vulnerabilidade social dos estudantes, a não preparação prévia de logística das escolas para o enfrentamento da crise pandêmica para o uso de tecnologia de ensino virtual e a inerente dificuldade de aquisição de hardware e uso de redes, tornam o Parecer um veículo de propagação das desigualdades sociais entre os estudantes e acirra mais ainda a exclusão destes do conhecimento.
É como decidir, nos hospitais públicos, sobre quem terá acesso aos poucos leitos e respiradores disponíveis por conta do colapso do sistema de saúde, pois iremos privilegiar os estudantes de melhor condição social e econômica em detrimento de um contingente de outros menos afortunados.
Neste diapasão, poderia o texto recomendar que o Exame Nacional do Ensino Médio -ENEM fosse adiado, afinal as escolas de Ensino Médio e as Universidades estão com suas atividades paralisadas por conta do decreto de calamidade pública, ora vigente.
O parecer ganharia robustez se recomendasse medidas após o confinamento social a partir de protocolos sanitários e sociais, se resguardasse a igualdade de oportunidades entre os estudantes e a segurança sanitária.
Poderia, neste momento, não se ater às possíveis construções de calendários acadêmicos ou ao tempo dedicado ao desenvolvimento de ementas disciplinares e atividades educacionais, considerando que o tempo é subjetivo e pode ser percebido de forma diferente do padrão conforme a situação e que nunca se perde, ele se cria e se transforma (Henri Bergson 1859 - 1941).
Santo Agostinho (Confissões, livro 11), definiu que o tempo não pode estar onde não há criaturas para medir sua passagem. Vamos, então, garantir a vida para que o tempo exista.
*Oscar Halac, reitor do Colégio Pedro II