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Restrições à liberdade por vacinas e democracia: na França...

Por Sonia Rabello
Atualização:
Sonia Rabello. FOTO: DIVULGAÇÃO  

No último dia 12 de julho, o presidente da França, Emmanuel Macron, fez um comunicado aos franceses para dizer, resumidamente, que terminou a fase do incentivo pedagógico à vacinação, passando-se então para a fase de restrições sociais ao não vacinados: "reconhecer a boa cidadania e focar as restrições nos não vacinados, e não em todos". O avanço da variante Delta na França impulsionou esta determinação governamental, no país onde a liberdade é um pressuposto do Estado de Direito, cunhada na moeda do antigo franco francês.

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Portanto, faz-se necessário desmistificar a ideia de que a liberdade, como direito fundamental protegido, é uma garantia total e absoluta. Ledo engano. Numa democracia, todas as garantias e direitos, mesmos os fundamentais, são tutelados pelo Estado para uma finalidade social, ou seja, para garantir o bem-estar de todos e não para que seja somente um direito individual em si mesmo.

No caso específico francês, as restrições agora feitas pelo governo bem exemplificam estes princípios: os que não querem ser vacinados podem continuar sem imunização, mas terão que ficar praticamente reclusos à sua individualidade e à sua casa, privados do convívio social.

Mas, se o indivíduo quiser um convívio social mais amplo, não poderá se autodeterminar quanto à sua não imunização, considerando agora que este fato pode afetar gravemente toda a sociedade. Por isso, as restrições do Estado aos não vacinados são todas sociais: proibição de frequência aos lugares coletivos públicos e privados como restaurantes, parques de diversões, shopping center, e uso de transportes de longas distância, a exemplo de trens e aviões. Seguem ainda restrições mais drásticas ao "direito" ao trabalho daqueles que atendem idosos, doentes e grupos de risco, ainda que particulares, a quem a vacinação é obrigatória, bem como para aqueles que trabalham em hotéis e pousadas.

Na França, algumas dessas medidas - assim como até certo ponto no Brasil -, sequer precisam de leis, e podem ser tomadas diretamente pelo Poder Executivo já que se inserem no dever geral de tutela do Estado quanto ao bem estar geral da população, no chamado Poder de Polícia Administrativa. Este poder é dado ao chefe do Executivo como um poder dever, significando que ele, o Executivo, não só tem o poder de fazê-lo, como também tem o dever.

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Portanto, é saudável e verossímil que se acredite que a garantia de liberdade, como princípio fundamental do Estado de Direito, não é total e nem irrestrita. O Estado de Direito, ou seja, o conjunto de regras que determinada sociedade escolheu para reger o seu grupo social é o limite pactuado à nossa liberdade. Então, nossa grande e maior liberdade é somente a garantia que temos de nos manifestar para escolher aqueles que vão estabelecer as normas para restringir a nossa liberdade em função do interesse geral deste mesmo grupo social. Por isso, toda norma jurídica é em si mesma restritiva da liberdade, e tem, necessariamente, esta função social.

A liberdade não nasce e nem é criada pela norma; é apenas garantida por ela nos limites em que interessa à sua função social - uma função do que o grupo social acredita ser bom para a sociedade.  E é este o compromisso da democracia, afinal; a garantia da liberdade de escolher quem fará as normas que irão restringir a nossa liberdade individual.

*Sonia Rabello é jurista, professora colaboradora do Lincoln Institute of Land Policy (EUA) no Programa de Capacitação para América Latina, ex-procuradora-geral do município do Rio de Janeiro e professora titular na FDir/UERJ (aposentada)

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