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Responsabilidade civil por veiculação de informações processuais -- direito à intimidade vs. princípio da publicidade processual

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Por Hugo Filardi
Atualização:
Hugo Filardi. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Não, leitor mais apurado. Definitivamente não estamos sugerindo uma rinha entre princípios jurídicos. Até mesmo porque a técnica de ponderação entre princípios não está sujeita à binariedade do mundo atual e não comporta a definição de vencidos e vencedores. A proposta do presente ensaio é justamente explorar os impactos do provável pronunciamento do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre a responsabilização civil ou não de sites de informação geral que se utilizam de dados públicos e oficiais extraídos de sites do Poder Judiciário.

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O plenário virtual do Supremo Tribunal Federal reconheceu, por maioria, a existência de repercussão geral no Agravo em Recurso Extraordinário (ARE 1.307.386) interposto pelo site Escavador em processo judicial que lhe fora proposto por jurisdicionado com o objetivo que obter reparação moral e material pela veiculação de informações extraídas do site do TST sobre reclamação trabalhista ajuizada e que esse fato teria gerado um empeciho adicional a sua recolocação no mercado de trabalho. Ressalte-se por oportuno que a informação divulgada pelo site Escavador era verdadeira e a referida reclamação trabalhista não estava sob segredo de justiça.

A decisão do Supremo Tribunal Federal, ao reconhecer a repercussão geral nessa demanda, abrirá espaço para os seguintes enfrentamentos de mérito: (i) quais os limites da publicidade das decisões judiciais?; (ii) a reedição de informações extraídas de sites oficiais do Poder Judiciário em sites de conteúdo geral pode gerar uma violação ao direito à privacidade?; (iii) a internet é um espaço sem regras e sem responsabilização pelo conteúdo divulgado? e (iv) o direito ao esquecimento deverá servir como standard de julgamento desse hard case?

Inegavelmente estaremos diante de um enorme teste para a perfeita operacionalidade de nosso sistema jurídico. Ao responder à essas indagações, o Supremo Tribunal Federal precisará compatibilizar em um único julgamento a prevalência da proporcionalidade como mecanismo de coexistência harmônica entre princípios constitucionais, a cada vez maior necessidade de transparência da atuação do Poder Judiciário com vistas à sua efetiva controlabilidade, compreensão junto aos jurisdicionados e credibilidade junto à sociedade civil, além de afinar a recente Lei Geral de Proteção de Dados à luz da preservação da dignidade da pessoa humana.

Sem qualquer pretensão de vaticinar tendências de julgamento, cada vez mais percebemos uma valorização da publicidade dos atos processuais. O próprio sistema de formação de precedentes do Código de Processo Civil ou as dinâmicas de julgamentos colegiados transmitidos abertamente por canais de mídia impõem essa exigência de atuação judicial também atenta aos reflexos extraprocessuais de suas decisões. Processos que não estão sob segredo de justiça cada vez mais tendem a pautar inclusive condutas fora dos ambientes processuais. O controle da informação de processos deve respeitar objetivamente os critérios legais do sigilo. Não sendo caso de sigilo, são informações da sociedade e não apenas das partes envolvidas.

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Não obstante as informações processuais serem públicas, ressalvadas as hipóteses de proteção legal, a sua utilização descontextualizada e em sites não jurídicos deve ser cuidadosa. A falta de compreensão pelo destinatário da informação poderá sim acarretar prejuízos possivelmente indenizados. O cuidado com a fonte e com as terminologias jurídicas serão determinantes na aferição ou não de responsabilização em casos concretos. Por certo, a internet deve ser utilizada como um espaço democrático de expressão, mas logicamente respeitando direitos e garantias fundamentais e sobretudo não servindo de arena para ataques sem fundamento e com "agressor" não identificado.

Finalmente, e sem ter a pretensão de "lacrar" o assunto, o julgamento em questão deverá ser contaminado pelo entendimento exposto no RE 1010606, ocasião em que o Supremo Tribunal Federal entendeu majoritariamente ser o direito ao esquecimento incompatível com a Constituição.

*Hugo Filardi é sócio na Siqueira Castro, doutor e mestre em Direito pela PUCSP. Bacharel em Direito pela Faculdade Nacional de Direito/UFRJ, também atua como professor de Direito Processual Civil

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