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Reprodução Assistida no Brasil: novas mudanças diminuem chances de sucesso do tratamento, mas suprem lacunas legislativas

Por Thais Maia e Luciana Munhoz
Atualização:
Thais Maia e Luciana Munhoz. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

É crescente o número de pessoas que buscam profissionais e clínicas especializadas em Reprodução Humana Assistida (RA) no Brasil. Dados divulgados no ano passado pela Anvisa, no 3º relatório do SisEmbrio, já demonstram que, em 2019, a média da taxa de fertilização in vitro (FIV) nos bancos de células e tecidos germinativos (BCTG) já atingia o percentual de 76%. A Rede Latino-Americana de Reprodução Assistida (REDLARA), em levantamento feito ao final do mesmo ano, atesta que o Brasil lidera o ranking latino-americano dos países que mais realizaram fertilização in vitro. E à medida que esse método de gravidez cresce e se torna cada vez mais comum para as famílias, há também as atualizações das normas que regem o tema.

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A Reprodução Assistida sempre levantou muitos questionamentos, tendo em vista as diversas possibilidades que a tecnologia proporciona. Tal fato faz com que as resoluções administrativas do Conselho Federal de Medicina (CFM) impactem não apenas os médicos e clínicas, mas também os pacientes, que devem respeitar os limites éticos dos tratamentos de reprodução.

Há um mês, o CFM publicou a resolução 2.294/2021, que altera as normas éticas para a utilização das técnicas de RA no Brasil. A nova regra administrativa traz novidades tanto para quem deseja ter filhos por processos de reprodução assistida quanto para as empresas que atuam nesse segmento e os profissionais da área.

Algumas mudanças são positivas para o procedimento, no sentido de facilitar o sistema atual. Já outras disposições são negativas, tendo em vista a profunda limitação que irá refletir nas taxas de sucesso dos tratamentos para quem deseja gerar um bebê.

Dentre as novidades positivas, podemos afirmar que a maior delas é a possibilidade de doação de gametas entre parentes de até 4º grau -- tios-avós, primos e sobrinhos-netos, por exemplo. Tal pleito já era uma busca comum de pacientes que antes tinham que entrar com processos administrativos nos Conselhos Regionais de Medicina a fim de obter autorização específica neste sentido. Para isso, é necessário comprovar o grau de parentesco junto à clínica, com documentos que farão parte do prontuário médico.

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A gestação de substituição permanece sendo uma possibilidade para mulheres com problemas de saúde que impeçam ou contraindiquem a gravidez, para pessoas solteiras ou em uniões homoafetivas. A cessão temporária de útero é viável por meio da utilização de técnicas de RA, devendo a gestante pertencer à família de um dos parceiros. Vale destacar que a Resolução do CFM nº 2.294/21 inclui, além desse vínculo, que a cedente deve ter pelo menos um filho vivo.

Os pacientes contratantes dos serviços de RA também continuam tendo a responsabilidade de garantir, até o puerpério, tratamento e acompanhamento médico e/ou multidisciplinar à mãe cedente do útero. O CFM apenas explicita que a obrigação é aplicável tanto nos tratamentos realizados no setor privado quanto no público.

A nova resolução também alterou tanto a faixa etária quanto o número máximo de embriões a serem transferidos para o útero. Mulheres com até 37 anos podem transferir até 2 embriões; mulheres com mais de 37 anos podem até 3 embriões; são permitidos até 2 embriões em caso de embriões euplóides (aqueles com o número correto de cromossomos) no diagnóstico genético, independentemente da idade; e nas situações de doação de oócitos (nome dado ao gameta feminino), considera-se a idade da doadora no momento de sua coleta.

Já com relação a pontos negativos da nova regra, temos a limitação do número total de embriões gerados em laboratório, que não poderá exceder a oito. Os pacientes deverão ser orientados em relação aos impactos dessa limitação para seu tratamento, a fim de escolher junto à equipe a melhor conduta a ser tomada durante a coleta dos óvulos.

Essa mudança impacta diretamente na diminuição das chances de sucesso do tratamento de reprodução assistida, tendo em vista que reflete diretamente no número de óvulos que serão captados e fertilizados a cada ciclo de tratamento. Sabe-se que quanto menos óvulos captados, menos serão fertilizados. Nem todos aqueles fertilizados irão evoluir até o estágio de blastocisto, que é a fase que permite tanto a transferência embrionária como a criopreservação do embrião. Tal análise deve levar em consideração a idade do óvulo captado, posto que quanto mais madura for a paciente, menores as chances de evolução dos seus oócitos.

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Também é importante observar os custos no caso de criopreservação dos óvulos coletados em número expressivo e que poderão sobrar em razão do limite. Lembrando que a criopreservação de gametas é uma faculdade e não uma obrigação (diferente dos embriões).

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Outro ponto negativo é o necessário pedido de autorização judicial para o descarte de embriões. O período mínimo de criopreservação de embriões permanece de três anos, sendo agora necessário que haja autorização judicial para o descarte. Essa mudança normativa cria requisito jurídico e burocrático para o descarte embrionário, o qual contraria todas as tendências no sentido de diminuir a Judicialização das diversas esferas, em especial, da saúde.

Fato é que o Brasil não possui uma norma legal que aborde especificamente os inúmeros dilemas da Reprodução Humana Assistida, o que gera grave lacuna no âmbito legislativo. Ainda assim, o Conselho Federal de Medicina consegue suprir essa falha, a partir de normas que balizam a atividade técnica destes procedimentos no Brasil.

Mas é certo que novos conflitos são inaugurados a partir da resolução CFM 2.294/2021, fato que demonstra a importância da disposição dos instrumentos jurídicos para resolução destes dilemas, principalmente nos aspectos que refletem diretamente nas escolhas e decisões tomadas por pacientes e profissionais em sede de tratamentos de Reprodução Humana Assistida.

*Thaís Maia é mestre e especialista em Bioética (UnB), gestora em Saúde (Albert Einstein) e sócia do Maia e Munhoz Consultoria e Advocacia em Biodireito e Saúde

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*Luciana Munhoz é mestre em Bioética (UnB), gestora em Saúde (Albert Einstein) e sócia do escritório Maia & Munhoz Consultoria e Advocacia em Biodireito e Saúde

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