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Repatriação: o que esperar da nova análise do STF

Por José Andrés Lopes da Costa
Atualização:
José Andrés Lopes da Costa. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Está em julgamento no STF a ADIN 5.586, ajuizada pelo Partido Solidariedade, com o objetivo de declarar a inconstitucionalidade do artigo 11 da Lei 13.254, de 13.01.2016, que instituiu o RERCT (Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária). O artigo proíbe que detentores de cargos, empregos e funções públicas de direção ou eletivas, bem como o cônjuge e parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou adotivos, possam fazer jus aos benefícios do regime instituído com o objetivo de extinguir a punição de crimes previstos na lei, como evasão de divisas, manutenção de depósitos no exterior não declarados às autoridades competentes e operação de câmbio ilegal.

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A Ministra Rosa Weber, relatora, votou no sentido da constitucionalidade da discriminação instituída pelo artigo 11 da lei e, na sequência, o Ministro Gilmar Mendes pediu vista para melhor análise do caso. Na mesma ocasião, diversos veículos de imprensa noticiaram a possibilidade de uma avalanche de ações penais a serem movidas contra aqueles que, mesmo excluídos pelo referido artigo, decidiram valer-se de liminares para possibilitar sua adesão ao regime ou até mesmo os que e aderiram sem ter consciência de que estavam incluídos pela regra impeditiva por questões de parentesco ou afinidade.

O voto da Ministra relatora tem base em alguns pilares fundamentais. Primeiro, o de que a Administração Pública possui regime próprio e que seus agentes se sujeitam a diversos princípios como legalidade, moralidade, impessoalidade e probidade que autorizariam o tratamento diferenciado conferido pela lei. Segundo o princípio da não discriminação contido na Constituição Federal pressuporia conferir tratamento isonômico a indivíduos que se encontram em situação equivalente, sendo necessário tratar desigualmente os contribuintes que se encontram em situação materialmente desigual. Foi ressaltada, ainda, a necessidade de o STF buscar a mínima intervenção possível nas escolhas legislativas feitas pelo Parlamento.

Oportuno, portanto, tecer algumas considerações para demonstrar o que nos parece ser a melhor interpretação possível para o dispositivo.

É preciso considerar, inicialmente, que o princípio da não discriminação em matéria tributária foi abarcado de forma bastante detalhada pelo legislador constitucional no artigo 150, inciso II da CF/88 vedando não só o tratamento distinto a contribuintes em situação equivalente, mas - e aí nos parece residir o cerne da questão - a qualquer discriminação em razão da ocupação profissional ou função exercida.

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A inserção dos termos ocupação profissional ou função no texto constitucional não foi obra do acaso. Ao usar esta terminologia, o constituinte quis expressamente incluir aqueles que exercem cargos públicos, concursados, eletivos e até mesmo os comissionados. Basta ver que alguém pode ser formado em medicina (profissão médico), mas estar exercendo o cargo de vendedor de luminárias (ocupação profissional) e ser eleito ou nomeado para cargo público (função). A amplitude conferida pelo texto constitucional ao princípio da não discriminação não deixa dúvidas de que a interpretação do artigo deve ser a mais ampla possível, integrando situações específicas relativas ao exercício da profissão, e não apenas uma igualdade formal derivada de outras situações equivalentes.

Além disso, pressupor que os recursos detidos por determinada pessoa, apenas por ocupar cargo público, são de origem criminosa, viola o princípio da presunção de inocência, previsto no artigo 5 da CF, f pressupondo que estes contribuintes são cidadãos de "segunda categoria", ou criminosos, o que subverte a lógica do sistema de garantias individuais cuidadosamente desenhado pelo constituinte originário.

Por último, a extinção da punibilidade dos crimes previstos na Lei 13.254, de 13.01.2016 não significa que isto se estenda também aos crimes contra a Administração Pública ou outros não enumerados no texto legal, de modo que o Ministério Público e a Polícia Federal seguem dotados dos necessários poderes de investigação e persecução penal, caso determinado indivíduo tenha aderido ao RERCT buscando legalizar recursos oriundos, por exemplo, de corrupção. Ou seja, o Estado não é prejudicado nem tolhido nas suas funções essenciais, em razão do que o referido artigo 11 mostra-se incompatível com a Constituição Federal também por ferir o princípio da proporcionalidade, utilizando meio mais gravoso do que o necessário para atingir o objetivo pretendido pela norma.

*José Andrés Lopes da Costa é sócio do escritório Chediak Advogados

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