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Repatriação de ativos e Lavagem de Dinheiro

Por Filipe Lovato Batich
Atualização:
 Foto: Divulgação

Uma das medidas político-econômicas adotadas pelo Governo Federal para equacionar o atual problema de arrecadação é a recente Lei 13.254/16 que concretizou um tema que há tempos vem sendo debatido pelo Congresso Nacional: a repatriação e a legalização de bens no exterior não declarados. Dessa vez, o tema evoluiu mais rapidamente que os projetos sobre o tema até então propostos e foi sancionado pela presidente nesta quarta-feira.

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Em breves linhas, o programa dispõe que brasileiros que possuíam bens não declarados no exterior, até 31 de dezembro de 2014, terão o prazo de 210 dias para declarar ou repatriar tais bens, pagando 30% do valor declarado a título de tributo e multa. Para a adesão ao programa, o contribuinte deverá apresentar uma declaração de regularização, da qual, dentre outros requisitos, deve constar que os bens a serem regularizados ou repatriados não possuem origem ilícita, devendo comprovar sua titularidade e origem.

A adoção de tal procedimento também extingue a punibilidade de delitos nos quais poderia estar incurso o contribuinte, como evasão de divisas, crimes tributários e lavagem de dinheiro.

Não se trata de uma medida original. Outros países já adotaram medidas dessa natureza em momentos de crise econômica. A experiência internacional aponta que tais programas de repatriação de bens, principalmente quando envolvem benefícios fiscais e realizados a short term, são uma boa oportunidade para criminosos movimentarem fundos com o fim de lavarem dinheiro ou financiarem terrorismo. De acordo com relatório elaborado pelo Grupo de Ação Financeira (GAFI), do qual o Brasil é membro, programas de repatriação são boas oportunidades para movimentação de valores provenientes de crimes, pois: (i) geram grandes quantidades de transações em um curto período de tempo, sobrecarregando a capacidade de aplicação de políticas de combate à lavagem de dinheiro, criando uma séria vulnerabilidade operacional; (ii) entidades financeiras podem ser levadas a considerar, por meio de uma mera presunção legal, a legitimidade dos bens repatriados, afastando os controles de lavagem de dinheiro aplicáveis; e (iii) as informações sobre o bem repatriado podem estar ou terem passados por diferente países, dificultando o rastreamento de sua legitimidade.

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Com o fim de mitigar os riscos de que programas de repatriação de capitais sejam utilizados para lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo, o GAFI propõe quatro diretrizes a serem observadas. A primeira é que tais programas devem adotar medidas preventivas contra a lavagem de dinheiro, utilizando canais que estejam submetidos aos controles de combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento ao terrorismo, levando em consideração riscos de se repatriar bens de países que não adotam políticas de lavagem de dinheiro, alertando os atores envolvidos sobre os riscos durante a execução do programa e exigindo que declarações para a repatriação, por si só, não sejam aptas a garantirem a legitimidade da origem do bem. A segunda: não se deve criar qualquer exceção à aplicação das regras de combate à lavagem de dinheiro para a repatriação de bens, ou seja, a repatriação deve estar submetida aos controles existentes para qualquer outra operação de mesma natureza. A terceira: deve-se garantir uma cooperação entre as autoridades nacionais para a troca de informações envolvidas no procedimento de repatriação. E, finalmente, a quarta diretriz indica a prévia criação de um canal de comunicação entre as autoridades responsáveis ao combate à lavagem e dinheiro e ao financiamento ao terrorismo entre o país em que o bem estiver localizado com o país em que o bem será repatriado ou regularizado, para uma ágil troca de informações.

Essas diretrizes não parecem ter sido observadas no texto legal, o qual coloca a Receita Federal - órgão que possui experiência na persecução e infrações tributárias, mas não em lavagem - para processar as declarações e não envolve o Conselho de Atividades Financeiras - COAF, órgão responsável ao combate à lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo no Brasil. Também utiliza uma mera declaração como documento apto a garantir a licitude de origem do bem a ser repatriado ou regularizado, contrariando as recomendações do GAFI. Nesse sentido, o fato do contribuinte ter que fornecer informação (e não documentos) à identificação da titularidade e origem de bens continua a tornar a declaração lacônica.

De acordo com a lei, às instituições financeiras, em princípio, caberá apenas o papel de serem intermediárias das transações para repatriação de bens, devendo presumir como verdadeiras as informações prestadas pelas instituições financeiras no exterior, o que também contraria recomendações internacionais.

Quanto à comunicação interna e externa de organismos de combate à lavagem e ao financiamento ao terrorismo, o projeto não trata da coordenação para a cooperação e troca de informações entre os órgãos federais envolvidos. Não bastasse isso, dada a urgência em sua aprovação, não foi aberto qualquer canal de comunicação e troca de informações entre o Brasil e os principais países em que os bens possam estar irregularmente depositados.

A última crítica que se faz é que, ao dispor que o programa de repatriação não se aplica a detentores de função pública e parentes até segundo grau, seria melhor, por cautela, estender tal limitação a outros familiares bem como às pessoas jurídicas a eles vinculadas.

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Assim, em um momento em que a principal preocupação dos brasileiros é o combate à corrupção, a adoção de mecanismos que, para criarem caixa, deixem de lado a observância de regras de combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento ao terrorismo não parece ser a estratégia mais adequada.

*Filipe Lovato Batich é advogado associado de Trench, Rossi e Watanabe, mestrando em Direito Penal pela USP e especialista em Direito Penal Econômico pelas universidades de Coimbra (Portugal) e pela FGV-SP.

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