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Notícias e artigos do mundo do Direito: a rotina da Polícia, Ministério Público e Tribunais

Reminiscência de Antígona

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Por João Linhares
Atualização:
João Linhares. FOTO: ARQUIVO PESSOAL  Foto: Estadão

O direito natural de velar e de sepultar entes queridos

sempre foi inerente à humanidade.

Questão de dignidade!

Sófocles tratou bem deste assunto.

Antígona rebelou-se contra o decreto de Creonte

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que lhe impediu de fazer exéquias ao seu irmão Policine.

E eis que, neste momento tão cruel e triste,

similarmente à tragédia grega,

nossas famílias são atormentadas.

Nossos "Policines" partem sem velório,

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sem a despedida formal da família,

sem a reunião presencial dos que os amam.

E assim foi com ele.

Deixou este plano precocemente.

Era relativamente novo.

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Tinha esposa e filhos.

Formara uma família harmoniosa e feliz.

Era um sujeito encantador, brincalhão,

que a todos fascinava pela galhardia e urbanidade.

Com ele não havia tempo ruim.

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A carne subiu? Churrasco de frango.

O ar condicionado queimou?

Ventilador perto das pessoas.

Zoava com os amigos, irmãos, sobrinhos

e fazia as coisas acontecerem.

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Alto astral!

De repente, contraiu covid.

Foi logo para o hospital e teve que ser intubado.

Esperou dois dias por uma vaga na UTI,

até que ela surgisse na cidade vizinha.

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Suportou mais 3 dias e sucumbiu.

Não tinha sido vacinado ainda.

Aguardava ansiosamente por isso.

Todavia a vacina não era prioridade.

Não fora adquirida a tempo certo

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e tampouco incentivada.

Boicotada, sabotada, recusada!

E por inúmeras vezes.

Virou até chacota na boca de alguns...

A família não pôde velá-lo e sequer o vira.

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O caixão permaneceu fechado.

Uns poucos puderam acompanhar o féretro até o enterro.

Muito pranto na despedida,

com a dor inesgotável da perda e da saudade.

Suas lembranças são eternas e sobejam.

Sua risada ecoa entre os seus;

sentem falta do seu abraço e das suas piadas.

Oram e choram como milhares de outros.

É muito doloroso, mas a vida continua.

Ainda bem que teremos Copa América para nos distrair,

não é verdade?

Sem pão, apenas com circo - de escárnio e de aflição,

e com palhaços sem graça alguma,

enquanto Creonte reina e tripudia dos mortos.

*João Linhares, promotor de Justiça do Ministério Público de MS. Mestre em Garantismo e Processo Penal pela Universidade de Girona - Espanha. Especialista em Controle de Constitucionalidade e Direitos Fundamentais pela PUC - RJ. Integrante da Academia Maçônica de Letras de MS

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