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Relevantes temas fiscais são pontos de atenção para as companhias abertas em ofício da CVM

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Por Evany Oliveira e Luis Cláudio dos Reis
Atualização:
Evany Oliveira e Luis Cláudio dos Reis. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Como acontece ao fim de cada ano, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) expediu orientações aos administradores, preparadores contábeis e auditores independentes, sobre aspectos relevantes a serem observados na preparação das Demonstrações Contábeis para o exercício findo de 31 de dezembro de 2020.

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Na divulgação do Ofício-Circular/CVM/SNC/SEP/n.º 01/2021, de 29 de janeiro, entre os pontos trazidos em destaque, chamou a atenção o disposto em seu Item 7 - "Créditos fiscais", que tece considerações sobre os temas do reconhecimento contábil: (i) de créditos de PIS e COFINS relativos ao conceito de insumos proferido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ); e (ii) da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS em razão da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).

De acordo com a CVM, o objetivo dessas orientações é propiciar aos usuários das informações financeiras das companhias a avaliação do risco tributário a que estas estão sujeitas e os respectivos impactos sobre a precificação das ações e sobre a distribuição de dividendos e de resultados.

O presente artigo abordará esses dois temas tributários, apresentando algumas considerações sobre as apreensões da CVM no que tange aos registros de ativos destes indébitos e os caminhos que podem ser avaliados para bem fundamentar as políticas decisórias das empresas.

É importante destacar que o referido Ofício-Circular da CVM não faz juízo sobre o direcionamento jurídico a ser adotado pelas companhias em relação a cada um dos citados temas.  Ao contrário, ele tem cunho meramente orientativo quanto a (i) adequada evidenciação da tomada de decisão, (ii) clareza quanto aos critérios e procedimentos a serem observados na mensuração e na rastreabilidade dos ativos apropriados contabilmente, (iii) além de orientar quanto a melhor divulgação desses fatos nas notas explicativas.

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  • O registro de ativos correspondentes ao crédito de PIS e COFINS (ampliação do conceito de insumos)

O Ofício-Circular deste ano inova ao suscitar os efeitos da decisão do STJ, no julgamento do Recurso Especial (REsp) nº 1.221.170-PR, com efeito repetitivo reconhecido, por meio do qual os Ministros entenderam que o conceito de insumo, para fins de tomada de créditos do PIS e da COFINS, deve ser aferido à luz dos critérios da essencialidade ou relevância, considerando-se a imprescindibilidade do dispêndio para a atividade econômica desenvolvida pelo contribuinte, situação essa que deve ser devidamente comprovada.

Recorde-se que o citado julgado não conferiu uma definição exata do que é um insumo apto a propiciar créditos de PIS e da COFINS, mas, sim, ofereceu os dois parâmetros para identifica-lo: a essencialidade ou a relevância.  Por isso, o enquadramento num desses critérios requer a avaliação de cada situação concreta, cotejando-se a atividade do contribuinte e os dispêndios incorridos, para que, passo seguinte, se possa medir o grau de inserção destes (essencial ou relevante) no rol dos objetivos sociais desenvolvidos pela empresa.

Esse cenário, segundo a CVM, pode criar um ambiente de incerteza em face de conflitos de interpretação que surgem entre o fisco e o contribuinte, em relação a essa possibilidade de crédito. Por isso, alerta que somente devem ser reconhecidos créditos fiscais se uma decisão judicial ou outros elementos permitam o reconhecimento e a mensuração confiável do valor a ser compensado ou restituído.

Realmente, o conceito de insumos é uma das grandes discussões tributárias surgidas desde a edição das Leis nºs 10.637/2002 e 10.833/2004, as quais, instituindo a não-cumulatividade do PIS e da COFINS, permitiram a tomada de crédito do valor dessas contribuições que incidiram sobre bens e serviços utilizados como insumos, porém, sem conceituá-los. A Receita Federal do Brasil (RFB) logo se apressou em apresentar a sua definição, por meio de instruções normativas, restringindo o termo aos gastos relacionados diretamente ao processo produtivo, o que já vinha sendo rechaçado pela Câmara Administrativa de Recursos Fiscais (CARF), tendo o STJ, posteriormente, julgado a ilegalidade desses normativos quando do julgamento do repetitivo.

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A despeito desse entendimento proferido pelo STJ, as disputas entre o fisco e o contribuinte só aumentaram, uma vez as expressões "relevante" ou "essencial" já carregam em si uma camada de subjetividade, a qual somente pode ser reduzida quando se analisa a atividade e o modelo de negócios da empresa. Daí a necessidade da aferição casuística.

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A preocupação da CVM é válida, mas, como ela mesma orientou no Ofício deste ano, o registro desses ativos pode ser efetuado se estiver baseado em elementos confiáveis e adequados. E esse patamar de segurança pode ser alcançado por meio de processos de discussão e avaliação jurídica para a eleição dos créditos, com o apoio das áreas internas jurídica, fiscal e técnica das companhias.

Para iniciar esse exercício de análise, é recomendável considerar o tipo de gasto efetuado e medir seu grau de essencialidade ou relevância para a atividade da empresa, por meio da produção de estudos e laudos técnicos comprobatórios. Referidos trabalhos deverão ter por objetivo, não apenas descrever pormenorizadamente todo o modelo operacional da empresa (da aquisição e escrituração do dispêndio, até o impulso ao seu destinatário final, cliente ou consumidor), como também indicar, em cada uma das etapas identificadas da cadeia, como e porque o item de gasto em foco é essencial ou relevante. Esses estudos, devidamente documentados, sem dúvidas, proporcionarão maior objetividade aos conceitos genéricos da essencialidade e relevância em sua aplicação prática.

Havendo uma conclusão quanto a viabilidade jurídica da tomada de créditos, pela tipificação do gasto como essencial ou relevante, será preciso compulsar o rol de documentos comerciais, contábeis e fiscais, além de manuais técnicos da operação (se for o caso) que possam formalizar e provar a existência do dispêndio e sua respectiva escrituração, com aplicação de testes de validação e discussão de resultados.

Esse esforço só é possível se a empresa possuir sistemas, processos e controles internos adequados e robustos que permitam o rastreio e captura de todas as informações e dados operacionais confiáveis. Em suma, a capacidade dos controles internos para a captura, organização e geração de informações será fator determinante do sucesso nessa empreitada de colheita de subsídios documentais comprobatórios dos registros dos ativos.

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Dessas etapas será possível avançar para o importante patamar da mensuração, que é a fonte primordial de preocupação do Ofício da CVM, pois realmente os números podem ser bastantes significativos e impactantes patrimonialmente. Para atender o que recomenda o Ofício, será necessário desenvolver uma adequada ferramenta tecnológica de extração de dados com eleição de um critério de cálculo crível e seguro.

Além disso, de posse de um parecer de um especialista em matéria tributária, que aborde o tema com fundamento na lei, doutrina, jurisprudência e com emissão de uma avaliação de risco de perda, o administrador terá elementos necessários e suficientes para uma segura decisão quanto a tomada de créditos e registro de ativos em bases confiáveis de divulgação ao mercado, como requer a CVM.

Há de se comentar que todo esse caminho já faz parte da rotina decisória das companhias num maior ou menor grau de robustez. Por isso, entendemos e esperamos que a orientação do Ofício-Circular não provoque grandes mudanças em políticas contábeis, mas proporcione a oportunidade de se revisitar processos de decisão, promovendo ajustes e reunindo a documentação-suporte necessária.

  • Registro de créditos a restituir ou a compensar em face de decisões relativas à exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS.

Mesmo depois da decisão favorável ao contribuinte no RE nº 574.706 atinente à inconstitucionalidade da inclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e COFINS, proferida pelo STF, presencia-se o desdobramento desse assunto em teses tributárias adjacentes (exclusão do ICMS da base de cálculo de outros tributos), bem como o surgimento de dúvidas levantadas pela RFB quanto a forma de cálculo e mensuração dos créditos restituíveis ou compensáveis.

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Inúmeras companhias que obtiveram o trânsito em julgado de suas ações judiciais registraram ativos correspondentes e iniciaram a compensação tributária dos valores pagos indevidamente. Esse movimento foi refletido patrimonialmente com grande impacto em alguns casos, conforme evidenciado nas demonstrações financeiras publicadas a partir de 2018.

A Receita Federal, de seu turno, reagiu a todo esse movimento empreendido pelos contribuintes vencedores das demandas com a publicação da malfadada Solução de Consulta Interna Cosit nº 13/2018, interpretando que a decisão do STF está a determinar que o montante a ser excluído da base de cálculo mensal da contribuição é o valor mensal do ICMS a recolher aos cofres estaduais e não aquele destacado nos documentos fiscais de aquisição.

Essa metodologia de cálculo da RFB, que, a nosso sentir, não encontra guarida nos fundamentos da decisão proferida pelo STF, reduz drasticamente ou mesmo elimina, em alguns casos, a apuração de créditos, como pode acontecer com empresas exportadoras que não recolhem ICMS nas vendas ao exterior que promovem. As diferenças são abissais.

Esse cenário, adicionado à maneira diversificada como o tema tem sido exposto nas demonstrações financeiras das companhias, gerou a orientação da CVM no sentido de que o reconhecimento de ativos dessa natureza deve decorrer de decisões judiciais transitadas em julgado , com seu valor mensurado "com razoável confiabilidade (ausência de incertezas significativas)", requerendo, ainda, melhores e mais detalhadas informações em nota explicativa, inclusive, com o teor e o status das decisões judiciais, os critérios considerados na decisão de reconhecimento ou não do ativo ou baixa do passivo, entre outros.

Da mesma forma exposta na análise do tópico anterior e com as recomendações lá expostas, quer nos parecer que as orientações daquela autarquia quanto ao tratamento contábil de indébitos referentes à exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS  proporcionarão a oportunidade de uma revisão e de um aperfeiçoamento das premissas que já vinham adotando as companhias, pois essa avaliação já era requerida por força de orientações anteriores da CVM ( vide o Ofício-Circular/CVM/SNC/SEP/n.º 01/2020, orientativo da elaboração das demonstrações contábeis de 2019).

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O texto do Ofício deste ano, mesmo com tintas mais forte, reafirmam a importância desse assunto, o que exigirá dos administradores, preparadores das demonstrações contábeis e auditores independentes o exame atencioso de cada caso concreto, buscando fundamentar os registros contábeis em pareceres legais atualizados dos advogados patronos das causas, bem como em cálculos efetuados mediante a adoção de metodologia, premissas e critérios razoáveis e aceitável e devidamente revisados. 

  • Considerações finais

Como é sabido, a Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976 criou à CVM e lhe atribuiu o dever de promover a expansão, fiscalização e o funcionamento eficiente e regular do mercado de ações, estimular a compra de ações e proteger os titulares de valores mobiliários e os investidores.

Nesse contexto legal vê-se que a CVM é órgão regulador, fiscalizador e sancionador, mas não está entre suas funções a emissão normas contábeis (atribuição da Lei nº 6.404/76, Lei nº 11638/2007 do Comitê de Pronunciamento Contábil-CPC), nem tão pouco sua atuação se desdobra sobre a área tributária, conforme o próprio Ofício-Circular nº 1/2021 faz questão de reconhecer.

Os Ofícios-Circulares da CVM devem ser analisados sob a perspectiva dessas premissas institucionais, servindo como instrumento orientativo para fornecer ao mercado posições financeiras e patrimoniais, com dados e informações claras, objetivas, as quais, certamente, irão influenciar as decisões de investimento, protegendo investidores e acionistas minoritários.

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Com a edição do Ofício-Circular nº 1/2021, a CVM estará mais atenta à análise desses aspectos tributários e de outros temas contábeis destacados nesse documento e poderá requerer esclarecimentos, em relação às demonstrações financeiras e das notas explicativas que vierem a ser publicadas a partir de agora.

Espera-se, contudo, que esse exame e avaliação seja permeado pelo bom juízo de valor e que as áreas técnicas da Comissão, no recebimento de esclarecimentos eventualmente requeridos, considerem todas as variáveis e considerações jurídicas que fundamentaram cada posição tributária tomada pelas companhias, tendo em vista o complexo ambiente tributário brasileiro,  evitando-se revisões e republicações de balanços, que poderiam repercutir negativamente no mercado de valores mobiliários brasileiro e na visão dos investidores estrangeiros.

Às companhias, de seu turno, espera-se a constante melhoria de seus processos decisórios e de transparência de informações, o que trará segurança jurídica para o seu próprio corpo diretivo e estimulará o aperfeiçoamento de políticas de governança corporativa, que é o que se requer para o salutar funcionamento do nosso mercado de valores mobiliários.

*Evany Oliveira e Luis Cláudio dos Reis, sócios na RVC Advocacia e Consultoria Tributária e Empresarial

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