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Relevância no STJ: perspectivas

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Por Ana Beatriz Presgrave , Claudia Maria de Freitas Chagas e Raíssa Roese da Rosa
Atualização:
Ana Beatriz Presgrave, Claudia Maria de Freitas Chagas e Raíssa Roese da Rosa. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A Emenda Constitucional (EC) n. 125/2022, decorrente da "PEC da Relevância", foi promulgada em 14.07.2022 pelo Congresso Nacional. De acordo com a EC, os recursos especiais deverão demonstrar a relevância das questões de direito federal infraconstitucional discutidas no caso. Tal requisito de admissibilidade, agora exigido quando da interposição do recurso especial, assemelha-se à obrigatoriedade de demonstração da repercussão geral no recurso extraordinário, incorporada à Constituição por meio da EC 45/2004.

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Em ambos os casos, trata-se de hipótese de requisito de admissibilidade do recurso. No Supremo Tribunal Federal (STF), a competência para a análise de tal requisito é do plenário do Tribunal, enquanto que com relação à relevância, ao que parece, a EC possibilita o afastamento da relevância pelas Turmas, Seções ou pelo Órgão Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), pois a EC 125/2022 estabeleceu a competência do próprio órgão julgador do recurso para a análise de relevância.

Considerando que a proposta de alteração constitucional foi justificada pela necessidade de diminuir o volume de recursos julgados pelo STJ, contribuindo para a agilidade da prestação jurisdicional, parece intuitivo concluir que afetar a questão da relevância exclusivamente à Corte Especial teria o efeito contrário do pretendido, represando grande número de feitos a ser julgado por um único órgão. Por outro lado, a submissão a um órgão especializado em razão da matéria traria maior coerência à análise da Corte.

De todo modo, assim como a análise da existência ou não de repercussão geral que compete apenas ao STF, a presença ou a ausência de relevância das questões de direito federal não será examinada pelo Tribunal originário, tratando-se de competência exclusiva do órgão competente para o julgamento do recurso no STJ.

Vale notar que o texto da EC 125/2022, tal qual o texto da EC 45/2007, remete à necessidade de lei para regulamentação do dispositivo constitucional. A exigência da demonstração da relevância, portanto, é norma constitucional de eficácia limitada, devendo a lei vindoura  conceituar o conteúdo e o alcance do termo "relevância", a exemplo do que fez a Lei n. 11.418/2006, que alterou o Código de Processo Civil (CPC) de 1973 para incluir o artigo 543-A, § 1º, a definição  de "repercussão geral", que é "a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa." Espera-se que, em nome da segurança jurídica, a conceituação de "relevância" não seja tão genérica, reduzindo a possibilidade de casuísmo na admissibilidade dos recursos.

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Nessa perspectiva, somente a partir da efetiva regulamentação da EC, inclusive com as alterações regimentais necessárias no âmbito do STJ, o recurso especial que não contiver a preliminar de relevância poderá deixar de ser conhecido, assim como acontece com os recursos extraordinários que não demonstram a repercussão geral em sede preliminar.

Sobre essa questão, é interessante notar que o STF tem entendimento[1] no sentido de que, mesmo na hipótese de reconhecimento da existência de repercussão geral sobre aquela questão em julgamento de recurso anterior, deve o recorrente apresentar preliminar motivada, demonstrando a repercussão naquele caso concreto.

De antemão, a própria EC 125/2022 já previu algumas hipóteses em que haverá relevância, quais sejam: (i) ações penais; (ii) ações de improbidade administrativa; (iii) ações cujo valor da causa ultrapasse 500 salários-mínimos; (iv) ações que possam gerar inelegibilidade; (v) hipóteses em que o acórdão recorrido contrariar jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e (vi) outras hipóteses previstas em lei. Veja-se que, mais uma vez, a EC faz referência à futura lei regulamentadora, que poderá estabelecer outros casos de relevância.

Nesse aspecto, interessante observar que a EC 45/2004 não estipulou hipóteses em que seria presumida a repercussão geral. A Lei n. 11.418/2006, contudo, fez uma única previsão de hipótese objetiva de existência de repercussão geral no §3º do art. 543-A, que dispõe: "haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária à súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal."

Com relação às hipóteses previstas na EC de existência de repercussão geral, é necessário tecer algumas observações críticas. O primeiro ponto que merece destaque é o fato de que a expressão "jurisprudência dominante" não se mostra adequada para designar o posicionamento adotado por um tribunal. A locução é imprecisa e não guarda coerência com o sistema processual estabelecido no art. 927 do CPC atual.

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No que tange à presunção de relevância das ações com valor da causa superior a 500 salários-mínimos, é de se reconhecer que representa verdadeira elitização do acesso ao STJ, não guardando qualquer relação com a função do Tribunal ou com o objetivo de trazer maior coerência e integridade ao sistema jurídico, nem possuindo consistência suficiente para traduzir, por si só, a relevância de uma questão jurídica.

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Muito se tem dito sobre a necessidade de demonstração da relevância no recurso especial tornar mais eficiente a atuação do STJ. Mas qual o parâmetro utilizado para se aferir "eficiência"? A defesa do filtro da relevância se baseou em "quantidade" de processos, mas a redução da quantidade de processos julgados resulta em maior eficiência da prestação jurisdicional? Em quais estudos empíricos se baseou a proposta para concluir que, a partir das hipóteses previstas de presunção de relevância haverá significativa redução dos feitos apreciados pela Corte? Importante refletir se haverá mesmo a proclamada agilidade e se a eficiência à custa dos direitos fundamentais é o que realmente almejamos para nosso sistema jurídico.

*Ana Beatriz Presgrave é consultora jurídica do escritório Madruga BTW, professora de Direito na Universidade Federal do Rio Grande do Norte e presidente do Instituto Potiguar de Direito Processual Civil (IPPC)

*Claudia Maria de Freitas Chagas é sócia do escritório Madruga BTW, promotora de  Justiça aposentada e ex-secretária nacional de Justiça

*Raíssa Roese da Rosa é advogada associada no Madruga BTW e pós-graduada em processo nos Tribunais pelo UniCEUB

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[1]"A petição de recurso extraordinário não prescinde da observância do disposto no art. 1.035 do CPC/2015, nem mesmo nos casos em que esta Corte já tenha reconhecido a existência de repercussão geral da matéria debatida nos autos." (ARE 663.637-AgR-QO, Rel. Min. Ayres Britto). (ARE 1211042 AgR, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 23/08/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-198, DIVULG 11-09-2019, PUBLIC 12-09-2019)

No mesmo sentido: (RE 614419 AgR, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 20/08/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-176, DIVULG 06-09-2013, PUBLIC 09-09-2013)

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