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Relatório da ONU traz preocupação sobre emissão de metano de aterros: Estados brasileiros estão na contramão

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Por Yuri Schmitke e Francisco J. P. Leme
Atualização:
Yuri Schmitke. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O 6º Relatório (AR6) do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) teve o relatório do seu 1º Grupo de Trabalho publicado esta semana, indicado enorme preocupação com aquecimento Global e suas já importantes consequências em diversas ocorrências nestes últimos meses, como incêndios florestais, inundações e elevação da temperatura e do nível do mar, apontando que o planeta Terra aquecerá 1,5 graus até 2040, com fortes efeitos inclusive no Brasil.

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O mesmo relatório indica emissões insustentáveis de gases do efeito estufa (GEE), mensurados em toneladas equivalentes de CO2, e parte delas são provenientes do metano gerado pela disposição de lixo em aterros, equivalente a 64 milhões de toneladas por ano, que no Brasil isso representa em torno de 4% de todas as emissões totais de GEE.

Diversos países já adotaram a décadas a utilização de resíduos como fonte de energia em vez de simplesmente aterrá-los. O 5º Relatório do IPCC já apontava que as usinas de recuperação energética (Waste-to-Energy) reduzem em 8 vezes as emissões de gases de efeito estufa quando comparadas com os aterros com sistema de captura de metano, e são a forma mais eficaz para mitigação dos gases de efeito estufa dos Resíduos Sólidos Urbanos (RSU).

Estudo do IEA Bioenergy indica que, para cada tonelada de RSU que deixa de ir para aterro, e é enviada para centrais de remoção dos recicláveis, e com o material restante utilizado para gerar energia, permite a redução de aproximadamente 2 toneladas de gases efeito estufa. Ou seja, considerando que somente 50% dos RSUs gerados no Brasil sejam utilizados para gerar energia, em substituição de combustíveis fósseis, teríamos uma redução de 5% das emissões de gases de efeito estufa no País.

Segundo estudo da ABREN, considerando um cenário que representa 58% de todo o lixo urbano gerado no Brasil (RSU), englobando as 28 regiões metropolitanas com mais de 1 milhão de habitantes, somados aos municípios com mais de 200 mil habitantes, poderão ser demandados investimentos de R$ 78,3 bilhões (CAPEX), nas  Centrais de  de Geração de Energia Elétrica (94), Plantas de produção de Combustíveis Derivados de Resíduos (CDR) (95) e Biogás (85), além de instalações de centrais de reciclagem não computadas nesse valor.

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Nesse cenário apresentado, é considerado o tratamento de 46 milhões de toneladas de RSU por ano, sendo destinado 62% para geração de energia elétrica, 21% para CDR, 11% para biogás e 6% para reciclagem, sendo que somente 4% continuarão sendo destinados para aterros sem geração de gases de efeito estufa. Serão gerados 15 mil empregos diretos, e evitados 91 milhões de toneladas de CO2 equivalente, o que corresponde ao reflorestamento de uma área de 273 milhões de árvores plantadas por ano, área similar a 1,5 vezes a do Município de São Paulo.

A tecnologia de utilização correta dos resíduos, após retirada do recicláveis, é empregada há décadas na maioria dos países do mundo, com destaque nos países da Europa, EUA, Canadá, Japão, China e Coréia do Sul, e mais recentemente também em países da África e Oriente Médio, e também Austrália e Israel. A América Latina, no entanto, não detém nenhuma planta de grande porte de Waste-to-Energy (WTE) ainda em operação, mas no Brasil já desponta com 36 fábricas de cimento licenciadas e que substituem 16,2% do combustível fóssil por CDR.

No Brasil, a utilização de resíduos como fonte de energia é utilizada em maior escala pela indústria cimenteira, e pela primeira vez a ANEEL lançou leilão de novos projetos de Waste-to-Energy, tendo como combustível os resíduos sólidos urbanos, sendo que diversos projetos estão em processo de implantação.

Mas ainda há no País bastante resistência, inclusive de alguns Órgãos Ambientais que ainda não se adaptaram aos novos tempos e proíbem tecnologias amplamente utilizados e incentivadas em praticamente todos os países do mundo, recentemente tivemos dois atos que servem como maus exemplos em práticas ambientais e vão na contramão na redução de emissão de gases de efeito estufa.

A primeira proíbe por Lei Estadual (inconstitucional diga-se de passagem) a recuperação energética por incineração de RSU para geração  de energia elétrica, tecnologia utilizada como fonte de energia limpa em 98% das 2.440 usinas em operação comercial no mundo. A segunda, trata se de uma Regulamentação Estadual que, arbitrariamente, passou a limitar o poder calorifico dos resíduos a serem utilizados no preparo de CDR que substituem combustíveis fósseis nos fornos de cimento, em valores altíssimos não praticados em nenhuma parte do mundo e mais de 3 vezes o praticado em outros Estados do País.

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Tais situações redundam em retrocesso e impedem o desenvolvimento sustentável, o atingimento das metas do Acordo de Paris e colocam o Brasil na contramão das melhores práticas de gestão sustentável de resíduos sob os princípios da hierarquia de resíduos e da economia circular.

*Yuri Schmitke, advogado. Bacharel em Direito, pós-graduado em Direito de Energia Elétrica e mestre em Direito e Políticas públicas pelo UniCEUB. Presidente da ABREN e do WtERT Brasil. Professor do MBA Recuperação Energética e Tratamento de Resíduos da FGV

*Francisco J. P. Leme, diretor executivo da W4Resources. Engenheiro de Minas na Escola Politécnica da USP. Especialização em Administração Empresas pela CEAG-FGV. Conselheiro da ABREN. Professor do MBA Recuperação Energética e Tratamento de Resíduos da FGV

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