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Regulamentação do trabalho híbrido: projeto de lei atropelado por medidas provisórias

Por Leticia Ribeiro Crissiúma de Figueiredo e Leonardo Kaufman
Atualização:
Letícia Ribeiro e Leonardo Kaufman. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Um dos maiores reflexos da pandemia do COVID-19 nas relações de trabalho foi a adoção do trabalho remoto. Mas, diante da urgência imposta pela crise sanitária e da necessidade de isolamento social, o sistema foi, com frequência, implantado sem regulamentação específica e deixando de lado os requisitos inseridos na Consolidação das Leis do Trabalho ("CLT") pela reforma trabalhista de 2017.

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Apesar das condições excepcionais que ensejaram a adoção do trabalho a distância, o que era para ser transitório acabou tornando-se uma nova realidade no mundo corporativo. A desconfiança foi substituída pela experiência gratificante de várias empresas, que notaram, até, aumento de produtividade.

Com a reabertura dos escritórios muitas empresas decidiram rever o modelo presencial, procurando um sistema que aliasse as vantagens desse formato com o trabalho remoto. Tem-se notado, inclusive, que diversas empresas vêm perdendo talentos quando há uma determinação impositiva do retorno ao trabalho presencial de forma integral.

É nessa nova realidade, na qual trabalhadores não querem mais retornar ao modelo inflexível de trabalho presencial, que o sistema híbrido vem ganhando força, permitindo-se que o empregado cumpra parte de sua jornada presencialmente e parte de forma remota. Porém, inexiste legislação consolidada que o regule. É importante não confundir com o teletrabalho, que exigia a realização das atividades profissionais preponderantemente fora do estabelecimento do empregador. Este, sim, disciplinado na CLT desde 2017.

Na ausência de norma específica, além de utilizar as regras do trabalho remoto de maneira analógica, há também a previsão do artigo 6º da CLT, que estabelece que "Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego".

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Embora esse artigo seja insuficiente para regulamentar o trabalho híbrido, ele ajuda a nortear essa nova relação entre empregadores e empregados.

Uma das maiores controvérsias do trabalho híbrido refere-se ao controle da jornada de trabalho. Na medida em que ele é dispensado no caso do teletrabalho, fica evidente a necessidade de regulamentação específica do tema. Nesse cenário, nasceu o Projeto de Lei nº 10, de 2022, buscando disciplinar o trabalho híbrido.

Além de definir o conceito de trabalho híbrido, a intenção do PL é que as previsões acerca desse modelo integrem o capítulo que trata do teletrabalho, que passaria a se chamar "Do Teletrabalho E Do Trabalho Em Regime Híbrido". Assim, as disposições acerca da disponibilização de equipamentos e infraestrutura nele contidas também seriam aplicáveis ao trabalho híbrido. O mesmo se aplicaria em relação às disposições sobre o meio ambiente de trabalho.

Paralelamente à tramitação do Projeto de Lei nº. 10, de 2022, ainda em fase inicial, foram publicadas há apenas alguns dias as MPs1.108 e 1.109, que definem regras adicionais para o teletrabalho, buscando - de maneira atabalhoada, diga-se de passagem - suprir a atual lacuna legislativa relativa ao trabalho híbrido.

A Medida Provisória 1.109 traz de volta muitos dos termos da antiga Medida Provisória 927, que tratava do teletrabalho, desde a antecipação de férias individuais e coletivas à antecipação de feriados, passando por regras mais flexíveis para banco de horas e a suspensão da exigibilidade dos recolhimentos do FGTS.

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Por sua vez, a Medida Provisória 1.108 tem despertado acalorado debate. Embora traga disposições que ajudaram a esclarecer determinados aspectos das relações atuais de trabalho - como a confirmação de que aos empregados em regime de teletrabalho aplicam-se as disposições das convenções e acordos coletivos de trabalho relativas à base territorial do estabelecimento de lotação do empregado -, ela também gerou muitas dúvidas para empregadores e empregados, questionando-se até a possibilidade de erro material na redação proposta.

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A questão do controle de jornada, por exemplo, ainda carece de melhor entendimento, sobretudo com relação aos empregados em regime de teletrabalho que continuariam isentos de controle de jornada por prestarem serviço "por produção ou tarefa". O próprio conceito de teletrabalho, até então vigente, foi impactado pela premissa de que a prestação de serviços pelo empregado fora das dependências do empregador não precisa ser preponderante, podendo ser meramente eventual. Da mesma forma, a disposição de que o tempo de uso de equipamentos tecnológicos fora da jornada de trabalho normal do empregado não constitui tempo à disposição contraria o atual entendimento sobre o tema.

A realidade é que as MPs terão força de lei pelo prazo de sessenta dias, prorrogáveis por igual período, e serão analisadas pelo Congresso Nacional, que poderá convertê-las definitivamente em lei.

Embora a regulamentação específica e adequada do trabalho híbrido seja urgente, está claro que uma definição permanente segue distante. Com isso, empregados e empregadores devem continuar acompanhando os desenvolvimentos legislativos e jurisprudenciais sobre o tema, para estabelecer relações de trabalho pautadas na tão desejada segurança jurídica. É preciso agir com muita cautela em tempos de normas cuja perenidade ainda está em debate.

*Leticia Ribeiro Crissiúma de Figueiredo e Leonardo Kaufman, sócia e associado do Trench Rossi Watanabe

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