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Regulamentação do lobby: podemos ir além do combate à corrupção?

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Por Andréa Gozetto
Atualização:
Andréa Gozetto. FOTO: INAC/DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O objetivo da regulamentação do lobby é tornar pública a relação entre agentes públicos e privados e definir padrões para essa interação. Com essas duas medidas, é possível garantir que o processo decisório estatal possa ser escrutinado pelos cidadãos, o que aumenta o seu conhecimento sobre a forma como o sistema político opera e como agentes públicos e privados se relacionam.

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Parte dos países que regulamentaram a atividade de lobby por lei criaram uma legislação robusta. Legislações robustas normalmente instituem registro obrigatório de agentes privados, prestação de contas periódica, divulgação de gastos, sistemas eletrônicos públicos, mecanismos para garantir o controle mútuo e para evitar o revolving door e penalidades administrativas e criminais para gerar enforcement. Atualmente, os cinco países que possuem o maior grau de robustez em sua legislação são: EUA, Canadá, Eslovênia, Lituânia e Chile.

Quando analisado à luz dos elementos acima, percebe-se que o PL 4391/21 que visa a regulamentar o lobby no Brasil sugere uma legislação pouco robusta. Não se exige registro obrigatório do agente privado e sim o registro da interação direta entre agente público e privado via audiências, sejam elas presenciais ou telepresenciais, com ou sem agendamento prévio. Apesar de abranger em seu escopo os Poderes Públicos, fornece detalhes sobre sua operacionalização apenas para o âmbito do Poder Executivo Federal. Nesse âmbito, as audiências deverão ser registradas pelo agente privado no Sistema Eletrônico de Agendas do Poder Executivo Federal (E-agendas). Caberá à CGU (Controladoria Geral da União) fazer a fiscalização sobre o registro das interações e as penalidades previstas são de caráter administrativo. Como não há exigência de registro obrigatório, não cabe prestação de contas ou divulgação de gastos.

Com essas disposições, o PL 4391/21 centra esforços na transparência e publicidade das interações entre agentes públicos e privados, o que tem potencial para evitar atos ilícitos.

No entanto, a atividade de lobby traz um problema que não possui caráter ilícito, mas que se endereçado da forma correta poderia melhorar a qualidade da democracia e fortalecer a transparência. Devido aos problemas de ação coletiva que enfrentamos no Brasil, há um claro desequilíbrio de poder entre os grupos de interesse durante o processo decisório. A construção de mecanismos que fomentem o controle mútuo entre os grupos de interesse poderia evitar a concessão de benefícios desproporcionais e/ou injustificáveis para os grupos de interesse que possuem mais e/ou melhores recursos políticos, por exemplo. Essa é uma das oportunidades que o PL 4391/21 deixa de aproveitar.

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No entanto, regulamentar uma atividade complexa, sofisticada e abrangente como o lobby, não é tarefa fácil. Por isso, é essencial que todos os atores sociais que impactam ou são impactados por esse tema sejam ouvidos no bojo do processo de deliberação do PL 4391/21. O debate ainda não está maduro suficientemente e é preciso torna-lo plural e sobretudo, público!

*Andréa Gozetto possui pós-doutorado em Administração Pública e Governo (FGV/EAESP), doutorado em Ciências Sociais (UNICAMP), mestrado em Sociologia Política (Unesp-Araraquara) e bacharelado em Ciências Sociais (UFSCar). É coidealizadora do MBA em "Economia e Gestão - Relações Governamentais" e da Formação Executiva "Advocacy e Políticas Públicas" da FGV/IDE, sendo coordenadora acadêmica em São Paulo. É diretora executiva da Gozetto & Associados Consultoria Estratégica e coordenadora do Grupo de Trabalho "Transparência e Integridade" da Rede Advocacy Colaborativo (RAC)

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção

Esta série é uma parceria entre o blog e o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Acesse aqui todos os artigos, que têm publicação periódica

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