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Refúgio e visto humanitário: as reais alternativas aos migrantes

Por Priscila Caneparo
Atualização:
Priscila Caneparo. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Sabe-se que, em tempos recentes, a mobilidade humana torna-se uma constante mundo afora. Nesse sentido, alguns movimentos migratórios acabam por ser opção às pessoas, enquanto para outros, são uma das únicas formas de sobrevivência.

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Segundo dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), somente em 2020, aproximadamente 824 milhões de pessoas foram obrigadas a deixar seus países pelas mais diferentes razões. Desse total, 68% são provenientes de apenas cinco países: Síria (6,7 milhões), Venezuela (4 milhões), Afeganistão (2,6 milhões), Sudão do Sul (2,2 milhões) e Mianmar (1,1 milhão).

Em contrapartida, é interessante destacar que 39% destes deslocamentos ocorreram para apenas cinco países, tidos como nações receptoras: em primeiro lugar, a Turquia (3,7 milhões), seguida por Colômbia (1,7 milhão), Paquistão (1,4 milhão), Uganda (1,4 milhão) e Alemanha (1,2 milhão).

Escolha de cada Estado

Ainda que se tenha elevada população migrante - por diversos fatores como guerras, mudanças climáticas ou crises econômicas - observa-se uma falta de proteção efetiva a eles. Ou seja, os Estados que os recebem muitas vezes não estabelecem os meios adequados para considerá-los refugiados.

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De igual modo, não possuem em suas legislações nacionais a previsão do chamado visto humanitário - ou visto temporário de acolhida humanitária - já que o seu estabelecimento não está disposto em nenhum documento internacional, ficando a cargo da discricionariedade de cada Estado.

Neste sentido, destacam-se alguns países que conseguiram, de fato, conceder o refúgio ao um grande contingente de deslocados que adentrou ao seu território. Segundo dados do Migration Policy Institute, dentre os anos de 1960 e 2020, as nações que mais concederam o refúgio foram a Turquia - com a concessão de aproximadamente 4 milhões de status de refugiados - Jordânia, Palestina, Colômbia e pela Alemanha.

É importante observar que o Brasil não aparece sequer dentre a lista que enumera os 25 países que mais concederam tal instituto naqueles anos. Segundo dados do Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE), ao final de 2020, o número de pessoas refugiadas reconhecidas no Brasil era de 50.099.

O que é o visto humanitário?

Ainda que essa quantidade seja ínfima, há de se destacar que no Brasil existe a previsão legal do outro instituto apto a garantir a proteção das pessoas deslocadas. Mas, dentro de tal temática, é importante ressaltar alguns termos que por vezes são utilizados como sinônimo.

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Afinal, qual a diferença entre a concessão do refúgio e do visto temporário de acolhida humanitária, conhecido também como visto humanitário, na legislação brasileira?

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Enquanto o refúgio é previsto no cenário internacional desde 1951 - por intermédio de tratados em que o Brasil é signatário - o visto humanitário, que em conformidade com a legislação brasileira é conhecido como visto temporário para acolhida humanitária, tem sua previsão legal interna a partir de 2017, por intermédio da Lei 13.445, de 2017.

Para fins de garantir a facilitação de permanência e residência no Brasil, o visto humanitário será concedido a partir da observância de uma das seguintes situações: grave ou iminente instabilidade institucional; conflito armado; calamidade de grande proporção; desastre ambiental; grave violação de direitos humanos ou do direito internacional humanitário. Lembro ainda que há regras próprias para os haitianos e sírios.

Vistos concedidos

Nos últimos dias, 400 afegãos solicitaram a concessão da acolhida humanitária à Defensoria Pública da União. O governo brasileiro, como resposta, prospectou a edição de uma portaria conjunta entre o Ministério das Relações Exteriores e do Ministério da Justiça para a concessão de visto humanitário e asilo político aos afegãos, especialmente às mulheres e meninas.

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Ainda se encontra sob análise no Itamaraty - já que o ministro Luiz Fux enviou ofício informando ao Ministério das Relações Exteriores que colocava o Poder Judiciário à disposição para o recebimento das 270 magistradas perseguidas no Afeganistão - mas o que existe de fato até agora, segundo informações do CONARE, é o reconhecimento como refugiados no Brasil de apenas 162 afegãos.

Neste ponto - ainda que o Brasil seja o país que mais reconheça o refúgio na América Latina, segundo o ACNUR, e que historicamente tenha nos governos antecessores previsto uma facilitação para a concessão de vistos humanitários às situações de extrema vulnerabilidade - demonstra-se que a posição atual do governo em relação aos afegãos vem a ser de extrema preocupação, dada sua demora e processamento mais dificultoso, uma vez que reverbera não apenas frente a este povo, mas em todo o contexto de política migratória brasileira.

Em outros termos, prospecta, infelizmente, um retrocesso em termos da possibilidade da concessão de refúgio e do visto humanitário.

Falta de vontade política

Infelizmente, a política migratória da maioria dos Estados precisa avançar muito em termos de segurança e estabilidade em seus instrumentos. Prova disso são os números aqui apresentados. Existe um grande contingente populacional necessitando do refúgio e do visto humanitário, mas poucos são os países dispostos a concedê-los na prática.

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Por mais que se trate de um assunto próprio do regime dos direitos humanos, o que tem sido observado é que não apenas a concessão, mas a própria previsão de sua existência, infelizmente, tem sido atrelada à vontade - que muitas vezes inexiste - dos Estados.

*Priscila Caneparo é doutora em Direito Internacional pela PUC-SP, coordenadora da Clínica de Direito Internacional do UniCuritiba, professora dos cursos de Direito e Relações Internacionais do UniCuritiba e membro da Academia Brasileira de Direito Internacional

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