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Reforma tributária, 'pink tax' e essencialidade

A complexidade do sistema tributário brasileiro, com impacto direto sobre o crescimento econômico e os índices de desenvolvimento do país, não deixa dúvidas a respeito da necessidade de uma reforma tributária ampla. Atento a essa realidade, o Congresso Nacional vem estudando diversas iniciativas legislativas, destacando-se, entre elas, a Proposta de Emenda à Constituição n.º 45/19, que visa à simplificação do dia a dia dos contribuintes brasileiros.

Por Mariana Telles e João Pedro Quintanilha Rezende
Atualização:

Apesar da importante finalidade da PEC, ela vem sendo alvo de críticas com relação a alguns pontos, como, por exemplo, a extinção do Princípio da Seletividade do IPI, que determina que quanto mais necessário for um bem, menor deve ser a carga tributária sobre ele.

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Uma das principais mudanças pretendidas pela PEC é a centralização da tributação do consumo por meio da criação de um imposto único que incidirá sobre bens e serviços, o IBS. No entanto, um detalhe importante do novo tributo merece destaque: ele necessariamente terá alíquota uniforme para todos os bens, tangíveis e intangíveis, serviços e direitos.

O objetivo da medida é simplificar o sistema, prestigiando a segurança jurídica e eliminando potenciais controvérsias sobre classificação fiscal e alíquotas diferenciadas. A supressão da possibilidade de diferenciação de carga fiscal para bens essenciais, contudo, tem potencial para aprofundar as desigualdades sociais já existentes no Brasil.

A seletividade tributária é uma importante ferramenta para a redução de disparidades e dificilmente representaria um retrocesso na necessária caminhada em direção à modernização do sistema tributário brasileiro. Recentemente, inclusive, o Princípio da Seletividade inspirou a edição do Projeto de Lei n.º 3.085/19, que tem como objetivo reduzir a desigualdade e restabelecer a dignidade das mulheres, isentando de IPI produtos destinados à higiene íntima feminina, como absorventes femininos e tampões.

A existência de desigualdade de tratamento de gêneros não é novidade, mas, nas últimas décadas, observamos alguns avanços no debate sobre a necessidade de ampliação dos direitos das mulheres em busca de igualdade. Nesse contexto, estudos recentes demonstram que a discriminação de gênero influencia até mesmo a precificação de produtos, revelando que mulheres pagam um valor maior do que homens por artigos similares - o que se convencionou chamar de Pink Tax.

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É o caso, por exemplo, de um recente estudo do programa de Mestrado Profissional em Comportamento do Consumidor da ESPM, que revelou que mulheres pagam em média 12,3% a mais do que os homens em compras de produtos idênticos apenas pelo fato de serem destinados ao público feminino. Por isso, iniciativas como o PL 3.085/19 devem ser priorizadas pelo Congresso, principalmente como um meio de estimular o debate em tempos de reforma tributária.

Embora inédita em território brasileiro, proposta similar já foi pauta e motivo de protestos em diversos países europeus. No Reino Unido, por exemplo, as mulheres tomaram as ruas em novembro de 2015 para protestar contra a categorização de absorventes higiênicos como artigos de luxo, o que implicava em majoração de 5% da alíquota do tributo incidente sobre a venda do produto. Resultado: o enquadramento foi revogado por 305 votos a 287.

No Brasil, onde mulheres gastam em média R$100 por mês com itens de higiene íntima, 10% do salário mínimo federal, o país está entre os que mais tributam absorventes - cerca de 25% do seu preço total é composto por tributos.

É importante destacar que a alta carga tributária incidente sobre absorventes íntimos dificulta o acesso de jovens e mulheres de baixa renda a produtos higiênicos essenciais. Isso atinge, de forma mais significativa e perversa, a expressiva população de rua do país. Para tal contingente, o reconhecimento da essencialidade destes produtos, com a consequente redução da tributação correspondente, seria um passo importante para afirmação do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, um dos princípios fundamentais da constituição brasileira.

A título ilustrativo, faz-se oportuno mencionar que em países como Inglaterra, França, Estados Unidos e Austrália, menos de 10% do preço desses mesmos artigos é composto por tributos, enquanto no Canadá há alíquota zero nas operações com estes bens.

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Apesar da possibilidade de adoção de alíquotas reduzidas para bens essenciais supostamente não estar abarcada pela PEC 45/19, acreditamos que seria importante a inclusão de um equivalente ao Princípio da Seletividade em seu texto, de modo que alterações salutares como aquelas propostas no PL 3.085/19 sejam constitucionalmente viáveis.

*Mariana Telles e João Pedro Quintanilha Rezende, estagiária de Direito Tributário e associado de Contencioso Tributário do Trench Rossi Watanabe

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