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Reforma tributária é prejudicial ao SUS

Por Fábio Cunha
Atualização:
Fábio Cunha. FOTO: WELLINGTON NEMETH Foto: Estadão

O projeto de reforma tributária apresentado pelo Ministro Paulo Guedes não consegue atender aos anseios de simplificação da arrecadação de tributos federais e gera efeitos muito prejudiciais ao sistema de saúde brasileiro. Já bastante combalida pela pandemia, a saúde suplementar sofrerá um revés que resultará em uma migração sem precedentes de usuários para o sistema público de saúde. As consequências da medida não podem ser ignoradas, sob pena de condenarmos não só os cofres públicos, que precisarão arcar com aumento de demanda por serviços de saúde, mas principalmente a população, que terá um acesso ainda mais escasso à saúde, direito fundamental constitucionalmente protegido.

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O primeiro impacto se dará sobre os prestadores de serviços de assistência à saúde, que hoje possuem uma alíquota de 3,65% entre PIS, PASEP e COFINS. A reforma desenhada pelo Ministério da Economia prega a unificação desses tributos na Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS) com uma alíquota única de 12%. Isto significa, por exemplo, que laboratórios e hospitais poderão ter de arcar com um aumento de carga tributária de até 80%, pois mesmo com a instituição de um regime não cumulativo, este não será suficiente para compensar o aumento da alíquota, segundo estudo da Confederação Nacional de Saúde. Esta majoração excessiva de alíquota trará como consequência o aumento dos preços do setor e a migração de pacientes para o sistema público de saúde, que já não tem mais capacidade de atendimento desta nova demanda, diante do cenário de fechamento de mais de 53 mil leitos nos últimos 10 anos.

O segundo impacto que traz preocupação é aquele que se dará sobre os empregos. No regime de não cumulatividade proposto pela equipe econômica, os gastos com insumos poderão ser creditados ao longo da cadeia. Setores intensivos em mão-de-obra, como a saúde, que tem aproximadamente 40% de seus gastos concentrados em folha de pagamento, serão prejudicados, pois tal despesa não gera direito a créditos. Assim setores e empresas que menos empregarem, terão uma carga tributária inferior àquelas que mais empregarem, ou que pagarem os maiores salários, criando desta forma um incentivo perverso à empregabilidade, justamente em um momento que o país precisa criar postos de trabalho. A reforma, ao contrário, estimulará demissões. A desoneração da folha de pagamentos poderia contribuir para o reequilíbrio do sistema, no entanto, depende de fonte de custeio. O caminho mais adequado parece ser a diferenciação de alíquota, solução mundialmente aplicada para elucidar o problema.

Também o consumidor terá alto impacto com a proposta de reforma tributária, pois deverá arcar com um repasse do inevitável aumento de preços dos serviços de saúde. Estamos diante de um cenário no qual, em decorrência do aumento do desemprego e da perda de renda da população, só entre abril e maio, quase 300 mil usuários já foram obrigados a abandonar a saúde suplementar por incapacidade de pagamento. Estima-se que até o final de 2020, mais de 1 milhão de pessoas tenham que abrir mão de seus planos de saúde. Não podemos esquecer que nos últimos anos mais de 4 milhões de beneficiários já deixaram o sistema de saúde suplementar por não poderem mais arcar com os custos dos planos de saúde, acelerando a migração de usuários para o SUS, cuja capacidade de resposta já está bastante comprometida.

De todos países que possuem impostos sobre valor agregado, 85% aplicam isenção ou alíquota reduzida aos serviços essenciais de saúde e educação, assim evitando todos os efeitos negativos acima indicados.

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O aumento de carga tributária trazida pela  alíquota de 12%, parece ser um tiro no pé do próprio governo, pois ao tentar solucionar a questão tributária, acabará gerando um problema ainda maior, com consequências bastante sérias não só para o orçamento público com a sobrecarga no SUS, mas sobretudo para o bem-estar da população. Considerando que a saúde é um dos pilares para o pleno desenvolvimento dos indivíduos, podemos estar prestes a condenar nossas próximas gerações.

O setor de saúde e a própria coletividade já estão percebendo com clareza as consequências deste cenário. Espera-se, agora, que o Congresso Nacional atue para corrigir o rumo: devem-se encontrar mecanismos para manter a neutralidade fiscal do setor, único caminho possível para manutenção do acesso, da qualidade e da segurança dos serviços de saúde.

*Fábio Cunha é diretor do Comitê Jurídico da Associação Brasileira da Medicina Diagnóstica (Abramed)

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