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Reforma tributária e a justiça de Trasímaco

Por Bruce Bastos Martins
Atualização:
Bruce Bastos Martins. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O que se projeta para o sistema tributário, até aqui, em linhas gerais, é um aprofundamento da sua regressividade e uma maior liberdade ao capital especulativo. A unificação da alíquota em 15% para todas as aplicações financeiras, sejam de curto ou longo prazo, garantirão esta mobilidade.

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No meu livro "A tributação dos Lucros no Exterior" eu tive a oportunidade de mostrar como o Plano Real demandou uma série de outras reformas além da monetária sem as quais ele não duraria. Nossa moeda passou a depender para o seu sustento, em última análise, da entrada e do acúmulo de divisas. Isto correspondia a uma política fiscal comprometida com o investimento estrangeiro direto e indireto no país, visto que o saldo positivo nas contas capital e financeira cumpria um papel importante na nossa âncora monetária.

Foi sob esse cenário que as Leis nº 9.249 e nº 9.250, publicadas no final do ano de 1995, prescreveram a isenção do IRPF sobre os lucros ou dividendos distribuídos e a dedução dos juros sobre capital próprio (JSCP) da apuração do lucro real da pessoa jurídica. Ou seja, mudanças legislativas que objetivamente diminuíam a pressão fiscal sobre os rendimentos e lucros das pessoas física e jurídica.  Aliás, este comprometimento com o capital estrangeiro e, muitas das vezes, especulativo dos nossos juros e câmbio, é o denominador comum de todos os governos, desde o de FHC até Bolsonaro.

Vale lembrar que, no fim de 2006, mais de 55% da dívida pública brasileira vencia em até dois anos, demonstrando um perfil de dívida que já dava sinais da sua insustentabilidade como política macroeconômica.

Portanto, alíquotas de IR que variam conforme o período do investimento buscam melhorar as condições de financiamento de longo prazo, embora a estrutura a termo da taxa de juros, em um país cujas políticas monetárias variam conforme a abrupta depreciação da sua moeda, seja uma variável implacável da equação de todo investidor.

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De qualquer forma, a opção de uma alíquota única para aplicações financeiras, não importando o tempo do investimento, reforça o estímulo ao rentismo de curto prazo, o que é um indicativo para o tipo de capitalismo que vem predominando cada vez mais no nosso país.

Com relação ao debate do fim da isenção do IRPF sobre os lucros ou dividendos distribuídos e da dedução dos JSCP, o que se deve levar em conta, primordialmente, é que os rendimentos do capital são muito menos tributados do que os do trabalho. A inflação que corrói a aplicação financeira, o óbvio precisa ser dito, também corrói o salário, com uma diferença brutal que não é dita: os que dependem do trabalho destinam quase toda a sua renda (quando não toda e mais o crédito) ao consumo, enquanto os que dependem do retorno do capital podem se valer de uma série de opções de aplicação financeira, lembrando que é princípio inquestionável do Banco Central manter uma Selic perseguindo metas de inflação.

Eu li recentemente a menção ao trabalho da economista Maria Helena Zockun que, a partir de dados extraídos de uma Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), apontava para a diferença de propensão ao consumo observada entre o décimo mais pobre e o décimo mais rico da população, concluindo que, enquanto as famílias mais pobres consomem 1,249 vezes acima da sua renda, as famílias mais ricas consomem 0,547%.

No mais, quando se fala da tributação da pessoa jurídica, tenho defendido a necessidade de reduzir sua tributação em detrimento da livre descapitalização isenta.

Mas também é preciso tomar cuidado com o discurso que é feito em cima de alíquotas nominais: 34% de IRPJ/CSLL. Pesquisas do Ipea apontam que a alíquota efetiva do IRPJ/CSLL na média geral é de 27% para as grandes empresas optantes do lucro real, 20% para optantes do lucro presumido, e as do Simples, empresas de pequeno porte, ainda ficam abaixo disto. O professor do Ibmec Paulo Henrique Pegas chegou a uma alíquota efetiva de 21% de IRPJ/CSLL em cima dos balanços de cem grandes empresas até 2019. JCP, deduções, compensações etc. garantem este resultado.

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Então, como equacionar um sistema tributário que dê dinâmica ao capitalismo brasileiro, privilegiando assim a produção da sua indústria e o poder de demanda dos trabalhadores, o que significa necessariamente deslocar a pressão fiscal do consumo para os maiores patrimônio, heranças e rendas das pessoas física, é a pergunta que não está sendo feita.

Embora exista toda uma percepção de debate técnico, presumidamente concernido com a justiça social, desde há muito as mudanças legislativas são resultados de forças individuais que têm recursos suficientes para defender os seus interesses diante de um congresso sensível ao lobby. O que se chama de justiça nestas reformas deve ser entendida nos termos de Trasímaco para quem "justiça é simplesmente o interesse do mais forte".

*Bruce Bastos Martins, mestre e doutorando pela PUC de SP

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